No dia 11 de novembro, como parte da programação preparatória para o Encontro Nacional, integrantes da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável participaram de um encontro para refletir e debater sobre conflito de interesses nas políticas públicas.

Qual a definição de conflito de interesses nas políticas públicas?

Depois da dinâmica de boas-vindas, o tema do encontro foi introduzido em um vídeo gravado por Camila Maranha, professora da Universidade Federal Fluminense e especialista no tema. Camila apresentou algumas definições do conceito de conflito de interesses expressas em documentos oficiais. Em uma publicação sobre o tema do Instituto de Medicina dos Estados Unidos, “conflito de interesses é o conjunto de condições nas quais o julgamento de um profissional a respeito de um interesse primário é afetado indevidamente por um interesse secundário”. Em uma publicação recente da OPAS, conflito de interesse é definido como “situação em que o interesse primário do governo (proteger e promover a saúde pública) pode ser indevidamente influenciado pelo interesse de uma instituição não-estatal, afetando (podendo parecer afetar) a independência e objetividade do trabalho do governo”. Confira abaixo o vídeo completo da introdução de Camila Maranha.

 

Casos emblemáticos de conflito de interesses na alimentação

Em seguida, foram apresentados quatro casos emblemáticos de conflito de interesses nas políticas públicas de alimentação. Um deles é são os eventos de aleitamento materno e sobre alimentação e nutrição financiados por empresas e indústrias de alimentação, de substitutos do leite materno e de bicos, chupetas, mamadeiras e outros produtos infantis, que tem acontecido com frequência nas últimas décadas. Além do financiamento do evento “em si”, a participação se dá por meio, por exemplo, de stands durante o evento, oferta de brindes aos participantes, apoio financeiro para participantes e palestrantes participarem do evento, atuação na definição da programação do evento, inclusão de representantes da indústria como palestrantes. No Brasil, desde 2012, esforços vêm sendo empreendidos para que esses eventos não sejam financiados por essas indústrias. Um exemplo são as regras da ASBRAN para financiamento das últimas edições do CONBRAN (de 2016 em diante).

Outro caso apresentado foi a parceria estabelecida entre o chef Jamie Oliver e a Sadia para o projeto “Saber Alimenta”, um programa que previa a realização de supostas “atividades educativas” em escolas. Sabe-se que que crianças devem ser protegidas contra práticas abusivas de comunicação mercadológica, como ações de merchandising dentro do ambiente escolar. Crianças não podem ser transformadas em promotoras de produtos de qualquer marca. Diversas entidades que fundaram a Aliança elaboraram e divulgaram uma carta aberta ao chef Jamie Oliver.  Depois de debates entre as entidades que assinaram a carta e a assessoria de Jamie Oliver, a atividade foi descontinuada.

A tentativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) de derrubar o Guia Alimentar para a População Brasileira em função de interesses comerciais privados, ferindo o interesse público, também foi relembrado. A Ministra do MAPA Tereza Cristina enviou ofício ao Ministro da Saúde solicitando a urgente revisão do Guia Alimentar. O ofício foi acompanhado de uma nota técnica que tenta negar as evidências científicas que atestam os malefícios à saúde provocados pelos produtos ultraprocessados. A Aliança foi uma das organizações que mobilizaram a respeito desse tema, e fez um manifesto e petição, que conta com dezenas de milhares de apoios. 

O último caso emblemático envolve acordo voluntário entre empresas e governos para reformulação de produtos. O Ministério da Saúde estabeleceu  processos de acordo voluntário com representantes das indústrias para diminuição do sódio e do açúcar em ultraprocessados.  Nesses processos, as indústrias participam da decisão sobre, por exemplo, metas de redução e prazos para cumprimento dos acordos. Na primeira fase da experiência de acordo voluntário para redução do sódio, documentada em estudo do IDEC (2014), foram evidenciadas: timidez das metas em relação aos critérios de redução e ao prazo para cumprimento, ausência de sanções, monitoramento insuficiente das metas, e falta de transparência (ausência da sociedade civil nas negociações).

Após a apresentação dos casos, integrantes da Aliança foram divididos em grupos, e debateram sobre reflexões e dúvidas que o tema do conflito de interesses suscita, e outros exemplos de ações corporativas e de interferência da indústria. E no final do encontro, em plenária, Fábio Gomes, assessor regional da OPAS/OMS, fez uma apreciação sobre os tópicos trazidos por cada um dos grupos.