Por Mateus Campos, publicado originalmente no site da UNIFESP

Os sistemas alimentares resilientes são estratégicos para a soberania de uma nação, em especial nos tempos de crises sanitárias. No entanto, o sistema alimentar dominante no Brasil demonstra algumas fragilidades que são nocivas e férteis para o desencadeamento de crises – como a atual, diante da pandemia de covid-19. Esse cenário foi analisado em uma publicação de pesquisadores(as) das universidades federais de São Paulo (Unifesp), de Santa Catarina (UFSC) e do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

O artigo apresenta uma análise dos sistemas alimentares nos últimos anos e, por fim, trata das possibilidades de transição para um sistema alimentar mais justo, localizado, inclusivo e regenerativo.

Em resumo, no século passado, a tendência era a de uma economia de escala, o que levou à mecanização do campo, aumento do êxodo rural, intensificação da industrialização, centralização e, pouco tempo depois, à dominância das cadeias logísticas globais por corporações multinacionais. Hoje, esta lógica tem uma série de consequências preocupantes, com impactos negativos na economia, no meio ambiente, na saúde humana e nas relações sociais.

Insegurança alimentar e tendência de aumento no consumo de ultraprocessados

Com a crise ocasionada pela pandemia de covid-19, a tendência é de agravamento destes efeitos. Desse modo, o Brasil experimenta um aumento relevante do número de pessoas que vivenciam algum nível de insegurança alimentar. Além disso, o país também registrou uma tendência de aumento no consumo de alimentos ultraprocessados, itens amplamente associados ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e hipertensão.

“A considerar a capacidade de produção de alimentos e a riqueza da diversidade de espécies nativas ou exóticas bem adaptadas às condições climáticas no Brasil, temos uma chance manter nossa tradição alimentar ainda não majoritariamente marcada pelo consumo de produtos ultraprocessados; o estímulo aos circuitos curtos de produção e a valorização da cultura alimentar são preocupações que devem pautar a agenda de gestores e lideranças da sociedade”, explica Semíramis Domene, professora do Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva do Instituto de Saúde e Sociedade (ISS/Unifesp) – Campus Baixada Santista.

Desinvestir em sistemas degenerativos

O estudo conclui que “não basta fomentar sistemas alimentares saudáveis; é necessário desinvestir em sistemas degenerativos, focados em beneficiar a arrecadação ou a balança comercial. Isso implica reconfigurar e redirecionar uma parte maior das políticas e recursos públicos relacionados com o uso da terra, liberando espaço e recursos financeiros, políticos e sociais para nutrir sistemas alimentares que resultem em benefícios mais sistêmicos.”

O sistema que temos visto é contraproducente em relação aos aspectos ecológicos, sociais, econômicos e de saúde pública. E isso ficou mais evidente na pandemia. Os sistemas alimentares não podem ser pensados de forma reducionista, apenas focados em produzir qualquer tipo de alimento ou em maximizar exportações. Devem ser pensados como sistemas que produzam alimentos saudáveis e de qualidade, de forma socialmente justa e coerente com os ecossistemas e com os contextos culturais nos quais estão inseridos”, analisam os(as) pesquisadores(as).