O Instituto Desiderata é integrante da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, e acaba de ser integrado como membro do Conselho Gestor. Fundado em 2003, o Instituto nasceu focado no diagnóstico precoce do câncer infantil, promovendo ações de mobilização e articulação entre o setor público e a sociedade civil, capacitando profissionais de saúde, e conduzindo projetos de humanização do tratamento e produção de informação qualificada para orientar estratégias de saúde pública. E desde 2019 o Instituto Desiderata vem trabalhando  com o tema da obesidade infantil, fator de risco para inúmeras doenças na infância e vida adulta.

Nessa entrevista, conversamos com Lucas Sanches, gestor de projetos de saúde do Desiderata, que fala sobre os desafios do contexto atual no enfrentamento à obesidade infantil, destaca as produções da organização no campo da alimentação saudável e seus planos para 2021, e também conta um pouco sobre suas expectativas como integrantes do conselho gestor da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.

Como vocês analisam o contexto atual para lidar com o tema da alimentação saudável? Quais são os obstáculos e quais as oportunidades de atuação?

Lucas Sanches: O atual contexto é bastante desafiador, em especial no que se refere a crianças e adolescentes, que não têm plena autonomia para fazer suas escolhas e, em muitos casos, dependiam, por exemplo, da alimentação escolar para ter direito a pelo menos uma refeição saudável por dia.

“A pandemia evidenciou as desigualdades sociais, que claramente afetam as populações mais vulneráveis de forma mais avassaladora. A insegurança alimentar e nutricional em crianças e adolescentes aumentou ainda mais, afetada pelo agravamento da dificuldade de acesso a alimentos de qualidade.”  Lucas Sanches, Instituto Desiderata

O aumento de consumo de alimentos ultraprocessados, que são menos perecíveis e mais baratos, é um grave fator que contribui para o aumento da incidência de excesso de peso, associado ao aumento do tempo de tela e comportamento sedentários em crianças e adolescentes.”

A atual gestão municipal no Rio de Janeiro, tem se mostrado disponível a pauta do cuidado integral à criança e ao adolescente com obesidade, e isto é uma oportunidade importante, por exemplo, para implantar uma linha de cuidado adequada.  O estado de crise provocado pela COVID-19, no entanto, torna todas as outras pautas relativas à saúde não prioritárias, atrasando a adoção de novas ações.  Pensando que nossas ações são sempre articuladas com o setor público, o atual momento deixa a realização de muitas dessas ações restrita. 

Por outro lado, temos ações que o contexto fortaleceu, como a capacitação de profissionais de saúde. O contexto pandêmico nos fez enxergar a modalidade EAD como adequada para capacitar profissionais de saúde da Atenção Primária, no cuidado integral de crianças e adolescentes com obesidade, sendo uma oportunidade de ampliar o número de profissionais com acesso ao conteúdo.

Como o Instituto Desiderata vê o desafio de abordar o tema do direito à alimentação saudável e à infância? Nessa interseção de campos de direitos, quais pontos são destaque para vocês?

Falar sobre alimentação saudável e infância é falar sobre o dever coletivo de proteção às crianças e adolescentes previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente e na nossa Constituição. Hoje, a obesidade infantil é tão preocupante quanto subnutrição. Além de estarem livres da fome, as crianças brasileiras precisam ter acesso regular a alimentos de qualidade e em quantidades suficientes, que contribuam para o seu pleno desenvolvimento. Essas são condições inseparáveis do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas (DHANA). 

“Nesse sentido, considerando o binômio saúde-educação, a escola torna-se um espaço protetor na garantia de direitos e promotor da alimentação adequada e saudável. Para isso, precisa ser um ambiente livre de publicidade e comercialização de alimentos ultraprocessados e contemplado pela adequada execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que vem sofrendo, recentemente, várias tentativas de interferência.”

 

Quais ações que o Instituto desenvolveu relacionados ao tema da obesidade infantil, e que vocês destacam como mais relevantes? E quais foram as principais lições aprendidas nessas experiências?

Para promover mudanças significativas que possam, no médio prazo, conter o crescimento da obesidade entre crianças e adolescentes, atuamos em várias frentes. Considerando que os ambientes em que crianças e adolescentes crescem precisam ser protegidos, estamos incidindo sobre projetos de lei que regulam os ambientes alimentares, principalmente escolares, como espaços de protetores e preventivos à  obesidade. Com o objetivo de visibilizar a obesidade infantil como uma questão de saúde pública e de responsabilidade coletiva, desenvolvemos, no último ano, e em parceria com a Aliança, a campanha “Obesidade Infantil é coisa séria”.

Pensando na importância do monitoramento da obesidade em crianças e adolescentes na construção e avaliação de políticas públicas de enfrentamento a esta condição, o Desiderata já desenvolveu 2 edições do “Panorama da Obesidade em Crianças e Adolescentes”  que detalha os números do estado nutricional de crianças e adolescentes na cidade e estado do Rio de Janeiro e também do Brasil, a partir dos dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN). Estamos preparando a terceira edição do Panorama para garantirmos um acompanhamento em série desses dados. Com o objetivo de ampliar a compreensão da complexidade da condição da obesidade infantil, o Desiderata organizou dois “Seminários de Obesidade em Crianças e Adolescentes”, que contou com especialistas da área e aprofundou os temas com atores-chave e sociedade em geral, sendo a última edição realizada virtualmente. Desde o ano passado, estamos em contato com a Secretaria Municipal de Saúde na perspectiva de implementação de uma linha de cuidado a crianças e adolescentes com obesidade no Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda para 2021, temos previsto um curso de capacitação para profissionais de saúde da atenção primária no formato EAD, com o objetivo de aprimorar o cuidado integral de crianças e adolescentes com obesidade.

Qual é o histórico de participação do Desiderata na Aliança e qual a expectativa do Instituto para este novo papel de integrante do núcleo gestor?

O Instituto Desiderata atua no Núcleo Rio de Janeiro da Aliança desde 2019, sempre de maneira propositiva e engajada. Além de participarmos dos encontros regionais e nacionais de planejamento, realizamos diversas ações propostas pela Aliança, como organização de tendas da rotulagem, contribuição em pareceres técnicos e participação de ações na incidência em projetos de lei. Neste momento, com a ampliação da atuação do instituto para outros estados do Brasil e a partir do entendimento que a obesidade infantil é um problema complexo e multifatorial, que demanda ampla articulação nacional e internacional, a participação no núcleo gestor da Aliança nacional será estratégica para ampliarmos nosso conhecimento e alcance nas ações de advocacy no legislativo, por meio da interlocução com diversas organizações com experiência reconhecida. 

A pauta da saúde da criança e do adolescente é considerada importante e comum aos mais diversos setores e atores políticos, e esperamos que os nossos 17 anos de experiência em advocacy no executivo, articulação, implementação e monitoramento de políticas públicas sejam importantes para ampliar o diálogo com novos interlocutores e unir esforços ao núcleo gestor nacional da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.