Por Alexandra Penedo de Pinho, Kátia Cesa e Cristielen A. Pereira, do GT Água da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável

A água, um elemento vital para nossa existência, é um recurso finito e vem sendo usado de forma exploratória pelos seres humanos. Apesar da abundância de água no planeta, a água doce disponível é bastante restrita e encontra-se em rios e lagos, sendo que atividades como agricultura usa a maior parte (72%) de toda água consumida no mundo (FAO, 2022). Desde a revolução industrial, os corpos hídricos enfrentam ameaças provenientes das atividades humanas, principalmente a agropecuária, a industrialização e urbanização, que lançam dejetos e poluentes, contaminando o ambiente aquático e como consequência, trazem riscos à sobrevivência dos seres vivos. 

No Brasil, o cenário não é diferente. A água tem sido alvo de enormes demandas para a produção de grãos e pecuária no Centro Oeste, fruticultura irrigada em vales úmidos no Nordeste semiárido, expansão do setor hidrelétrico na Região Norte do País e atividades de mineração na Bahia e Minas Gerais.

A expansão agropecuária, baseada no uso de agrotóxicos, é a causa da poluição de rios e aquíferos no Centro-Oeste e Sul do país (MOREIRA et. al., 2012; PORTAL G1, 2019; GAMEIRO, 2019), não sendo diferente para outras áreas com intensa atividade agrícola. A seca e má gestão dos corpos hídricos é motivo de escassez de água no Nordeste (CARVALHO et. al., 2017). Em 2023, o Rio Negro, na região Norte, passou pela maior seca dos últimos 121 anos (PORTAL G1, 2023), afetando a navegação e a segurança e soberania alimentar das comunidades, e chamando atenção para os efeitos das mudanças climáticas.

De forma geral no país, com a justificativa da universalização da distribuição da água, existe um estímulo governamental para a privatização deste serviço. Porém, as experiências demonstram como resultado o encarecimento das tarifas e a diminuição  do acesso à água nas áreas periféricas e rurais, trazendo sérios riscos de violação de direitos e aumentando a vulnerabilidade social. Enquanto isso, multinacionais se aproveitam do modelo agroexportador do Brasil para a produção de commodities, apropriação dos corpos hídricos a baixo custo e exportação de água virtual (MEKONNEN & HOEKSTRA, 2011; PEIXOTO et. al., 2022). De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) (PEIXOTO et. al, 2022), entre 2009  e 2019 foram cadastrados 1769 conflitos pela água no Brasil. 

Em todos os países latino-americanos avança um modelo de agricultura industrial, que culmina na degradação e contaminação dos corpos hídricos, em particular, devido ao desmatamento, à desertificação e à dispersão de fertilizantes e agrotóxicos. Dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (SISAGUA), entre 2014 e 2017, mostraram que entre 75% e 92% das amostras de água coletadas em vários estados brasileiros, apresentaram a presença de até 27 dos agrotóxicos analisados (MELGAREJO, ORG., 2022). 

Além disso, pouco se fala sobre a enorme desproporcionalidade de acesso e qualidade da água entre os diferentes grupos sociais e regiões do Brasil. Enquanto apenas 58,9% da população do Norte e 74,9% da população do nordeste tem acesso à água tratada, esse percentual sobe para mais de 90% nas regiões Centro Oeste, Sul e Sudeste do Brasil (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2021).

Outro impacto do uso inadequado dos sistemas aquáticos é a interferência no ciclo hidrológico, que é responsável, entre outras coisas, pela regulação do clima no planeta. A maioria dos impactos das mudanças climáticas estão relacionados à água direta ou indiretamente. A redução do volume de chuvas no período chuvoso e aumento de eventos extremos, por exemplo, podem diminuir a disponibilidade de água e de energia elétrica, além de aumentar a transmissão de doenças endêmicas relacionadas à água como dengue, chicungunha e malária (IPCC, 2022).

Se por um lado, temos a defesa do direito ao acesso a água de qualidade à todas as pessoas, conforme preza a Constituição Brasileira, por outro temos o voraz interesse das corporações, sedentas por lucro, agravando injustiças, discriminações e desigualdades, especialmente para os povos tradicionais, comunidades rurais e populações urbanas desfavorecidas pelo racismo socioambiental. Hoje, o controle do acesso à água tornou-se um elemento geopolítico e uma arma de guerra, que exige ações articuladas e coesas das pessoas, em defesa da vida.

O Dia Mundial da Água (DMA), celebrado em 22 de março, é uma ocasião significativa para mobilizar a população e instigar ações políticas voltadas para a garantia de direitos e gestão sustentável e justa desse bem essencial. Em 2024 a Agência Nacional das Águas definiu que o tema do DMA será: ”A água nos une, o clima nos move”, trazendo a necessidade de estarmos atentos para os desafios dos efeitos das mudanças climáticas, a poluição das águas, a escassez, a má gestão e a privatização. Também alerta para a necessidade da união para avançarmos em prol de uma causa fundamental para a sobrevivência no planeta.

Considerando que não há soberania e segurança alimentar sem acesso à água com qualidade, o GT Água, da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, em 2024, está promovendo ações em defesa à água, em conjunto com diversas organizações da sociedade civil, associações, sindicatos, movimentos sociais e instituições relacionadas à defesa da água, mapeadas no Brasil. A intenção é a de unirmos as habilidades e atributos de cada uma destas, para potencializar a mobilização e difundir as informações necessárias para que mais pessoas da sociedade possam se sensibilizar e engajar na defesa da água pública com qualidade como um Direito Fundamental.

 

Referências

CARVALHO, L. M.; KLEIN, H.; JUNIOR, A. C.; BRAVO, B. Z. R.; LEIRAS, A., A seca no Nordeste do Brasil: um estudo sobre as principais políticas públicas e métodos de previsão. II Congresso Brasileiro de Redução de Riscos e Desastres. Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: http://www.hands.ind.puc-rio.br/doc/artigos/2017e_LogisticaSecas_Final_Revisado_Raissa.pdf

INSTITUTO TRATA BRASIL. Disponível em: https://tratabrasil.org.br/ranking-do-saneamento-2022/

FAO – Food and Agriculture Organization. A Situação dos Recursos Terrestres e Hídricos Mundiais para a Alimentação e a Agricultura ‒ Sistemas em ponto de ruptura. Relatório principal. Roma. 2022.

GAMEIRO, N. Contaminação da água potável por agrotóxico no Brasil é tema de audiência pública na Câmara dos Deputados. FIOCRUZ Brasília, 14/06/2019 disponível em: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/contaminacao-da-agua-potavel-por-agrotoxico-no-brasil-e-tema-de-audiencia-publica-na-camara-dos-deputados/

IPCC- Intergovernmental Panel on Climate Change: AR6 – WGII – Impacts, Adaptation and Vulnerability – chp 12 Central and South America. 2022. Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg2/chapter/chapter-12/

MOREIRA, C. J.; PERES, F.; SIMÕES, C. A.; PIGNATI, A. W.; DORES, C. E.; VIEIRA, N. S.; STRUSSMANN, C.; MOTT, T. Contaminação de águas superficiais e por agrotóxicos em uma região do estado do Mato Grosso. Ciência e Saúde Coletiva, 17(6), 1557-1568, 2012.

MEKONNEN, M. M.; HOEKSTRA, A. Y. National water footprint accounts: The green, blue and grey water footprint of production and consumption, Value of Water Research Report Series No. 50, UNESCO-IHE, Delft, the Netherlands, 2011.

Melgarejo, Leonardo (Org.) Comida de verdade: produção local, saúde planetária. Ipê, RS: Centro Ecológico, 2022. Disponível em: https://www.centroecologico.org.br/cartilhas/2022/comida-de-Verdade-2022.pdf

PEIXOTO, S. F.; SOARES, A. J.; RIBEIRO, S. V. Conflitos pela água no Brasil. Sociedade & Natureza, 2022. v.34, e59410. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sn/a/9zK6YFrTGYYmD6hJT3CNhzv/abstract/?lang=pt#

PORTAL G1 AMAZONAS. Rio Negro sai da fase de seca depois de seis meses em Manaus, aponta SGB. 19/12/2023, disponível em: https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2023/12/19/rio-negro-sai-da-fase-de-seca-depois-de-seis-meses-em-manaus-aponta-sgb.ghtml

PORTAL G1 SANTA CATARINA. Estudo encontra resíduos de agrotóxicos na água de 22 municípios de Santa Catarina. 22/03/2019, disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2019/03/22/estudo-encontra-residuos-de-agrotoxicos-na-agua-de-22-municipios-de-sc.ghtml

 

 

Tags: