Em todo mundo, estamos chegando à trágica marca de 1 milhão e meio de pessoas mortas por causa da Covid-19. E apesar das evidências científicas sobre a importância da alimentação saudável, a pandemia criou uma oportunidade de lucro para a indústria de alimentos e bebidas, principalmente em países de baixa e média renda. Empresas multinacionais como a Coca-Cola, McDonald’s, Nestlé promoveram rápida e intensamente alimentos ultraprocessados não-saudáveis e bebidas ultraprocessadas açucaradas, produtos que devem ser evitados de acordo com o Guia Alimentar da População Brasileira.

Essa é uma das premissas do relatório “Facing Two Pandemics: How Big Food Undermined Public Health in the Era of COVID-19” (O enfrentamento de duas pandemias:como as grandes corporações de produtos alimentícios sabotaram a Saúde Pública na Era da COVID-19) lançado pela Global Health Advocacy Incubator. A publicação está disponível para download, em inglês, e conta com um resumo executivo em português.

O relatório documenta como os gigantes da indústria  de alimentos e bebidas têm explorado a COVID-19 para  promover uma imagem própria enquanto cidadãos  corporativos responsáveis. Também destaca como  os protocolos fracos sobre conflitos de interesses e a  falta de regulamentação para alimentos saudáveis em  alguns países deixaram a porta aberta para a indústria sabotar os avanços em políticas públicas de promoção da saúde. O relatório traz exemplos de diversos países, como Colômbia, Jamaica, Malásia, México, Paquistão, África do Sul e Estados Unidos. Diversas ações corporativas identificadas no Brasil compõem a lista de exemplos, entre elas da Sadia, Burguer King, Nestlé, Danone, Bauducco e McDonald’s. 

O relatório da GHAI mostra as principais maneiras pelas quais as grandes empresas da indústria alimentícia exploraram a pandemia do novo coronavírus para seu próprio proveito:

  • Embelezaram sua imagem pública através de “ações de solidariedade” na pandemia, ao mesmo tempo em que promoviam agressivamente suas marcas de junk food e bebidas açucaradas. Doaram produtos ultraprocessados para crianças em programas escolares e comunidades de baixa renda, quando essas pessoas precisavam de alimentos nutritivos. Também doaram e promoveram a fórmula infantil, violando o Código Internacional de Marketing de Substitutos do Leite Materno. Na África do Sul, a Coca-Cola colaborou com uma ONG para doar “cool drinks” – refrigerantes – a centros de saúde locais, inclusive um centro de tratamento da obesidade. 
  • Divulgaram os alimentos e bebidas ultraprocessados não saudáveis como se fossem produtos essenciais e seguros, associando a segurança alimentar à alimentação saudável (como se fossem sinônimos). 
  • As corporações financiaram plataformas educacionais remotas, voltadas para ajudar as crianças a aprenderem durante o isolamento social, misturando perigosamente o marketing dos produtos com informações didáticas, posicionando as empresas entre as fontes confiáveis de dados relacionados à saúde. Uma plataforma remota usada por escolares nos Estados Unidos veiculava publicidade de junk food. 
  • As empresas teceram uma narrativa pública de saúde e bem-estar, usando a pandemia para atrasar a implementação de políticas de alimentação saudável. No México, tentaram usar a COVID-19 como desculpa para postergar a implementação de uma nova lei de rotulação frontal. 
  • Promoveram junk food como resposta para tempos difíceis, associando os alimentos não saudáveis a sentimentos atraentes como conforto, nostalgia e intimidade familiar. No Brasil, a Burger King promoveu seu serviço de entregas de fast-food sob a aparência de ajudar as pessoas a se manterem seguras em casa.

Associaram seus alimentos e bebidas ultraprocessados a causas filantrópicas, ajudando os consumidores a se sentirem tranquilos em relação a compras não saudáveis. Nos Estados Unidos, a Coca-Cola fez uma parceria com a Uber Eats para doar uma refeição à campanha “Feeding America” para cada pedido realizado.

O relatório também faz recomendações para governos  e sociedade civil, voltadas para a proteção do direito a alimentos adequados e saudáveis. Como recomendação, os governos são convocados a regular os programas de assistência alimentar durante as emergências públicas para assegurar cenários de formulação de políticas isentos de conflitos de interesses, e implementar políticas de alimentação  saudável com base nas recomendações internacionais.