16/11/2025 - Blog Notícias Clima Alimentação Saúde

Da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável
É provável que você já tenha ouvido falar em mercado de carbono. O tema é frequentemente abordado em discussões sobre mudanças climáticas. A ideia do mercado de carbono surge como uma estratégia para reduzir as emissões mundiais de gases de efeito estufa (GEEs). Quem polui paga, quem conserva recebe: essa é a lógica.
Esse sistema, formalizado pela ONU em 1997 por meio do Protocolo de Kyoto, colocava países do Sul Global, que não tinham metas climáticas, como possíveis “vendedores” de projetos de mitigação dos GEEs, como preservação de florestas (que são captadoras de GEEs, principalmente gás carbônico) e energia renovável.
Ou seja, funciona como uma moeda de troca. Entretanto, a primeira contestação começa antes mesmo de colocar esse mecanismo em prática: a solução é colocar preço na natureza? Uma transação financeira realmente compensa as emissões de gases de efeito estufa?
Ao transformar a conservação ambiental em produto, o capitalismo amplia sua capacidade de mercantilizar a natureza. O que é essencial para a vida se torna negociável no mercado financeiro. Isso dá carta branca para que grandes empresas e países continuem a poluir o planeta sob a justificativa de que estão “compensando” suas emissões. Em vez de contribuir com o resfriamento do planeta, esse mecanismo torna-se um disfarce para manter a expropriação de recursos naturais e as desigualdades estruturais.
No âmbito dos sistemas alimentares, a forma dominante como produzimos, distribuímos e consumimos alimentos hoje tem grande impacto na crise climática e é responsável por um terço das emissões mundiais de GEEs e por cerca de 70% das emissões do Brasil. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alerta que, embora o setor agropecuário tenha potencial para mitigação, por meio de práticas sustentáveis como reflorestamento, manejo de solos e recuperação de pastagens degradadas, a expansão contínua da fronteira agrícola e o modelo produtivista intensivo ampliam a pressão sobre os biomas e comprometem as metas globais de neutralidade climática.
Além disso, há outros problemas que colocam em dúvida a suposta neutralidade. A fiscalização para verificar se realmente há compensação de carbono é complexa. Afinal, existem consultorias globais que fazem esse trabalho, mas usam metodologias não validadas para o cálculo, além de adotarem um processo pouco transparente.
Em algumas regiões do Brasil têm ocorrido situações em que terras públicas ou comunitárias são apropriadas de forma irregular para viabilizar projetos de compensação de carbono. Em muitos casos, as populações locais são induzidas a assinar documentos sem compreender totalmente o teor dos acordos, acreditando que receberão benefícios que nunca se concretizam. Essas práticas comprometem direitos territoriais, geram conflitos e colocam em risco modos de vida tradicionais.
Outro ponto é que a centralidade exclusiva no carbono tende a reduzir a complexidade das crises ambiental e climática a um único indicador: o carbono. Mas as crises ambiental e climática são muito mais amplas, envolvem destruição de ecossistemas, degradação do solo, poluição das águas, perda de biodiversidade e desigualdades sociais.
Assim, o carbono se converte em uma moeda simbólica que compra tempo para o capital, mas não justiça para os povos. Isso mascara a necessidade de seguirmos, como humanidade, um caminho que exige uma transformação profunda de como produzimos e consumimos, não apenas no campo da alimentação, mas em todos os processos produtivos.
Para garantirmos o Direito Humano à Alimentação Adequada e a justiça climática, a saída é reestruturar o sistema alimentar que predomina hoje, baseado em monoculturas, pecuária e exploração da terra.
Referências:
Podcast Ciência Suja, episódio “Quanto vale uma árvore?”. Publicado 6 nov. 2025. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/25pDUKPTfkIoQ7TyDhzsxp.
Moreno, Camila. A Métrica do Carbono: abstrações globais e epistemicídio ecológico. Camila Moreno, Daniel Speich, Lili Fuhr. – Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2016. 80 p. ISBN 978-85-62669-17-0.
FASE. Mudar para que nada mude? ZERO EMISSÕES LÍQUIDAS NÃO É ZERO!. Disponível em: https://fase.org.br/wp-content/uploads/2023/11/WEB-CARTILHA-MUDAR-PARA-QUE-NADA-MUDE_16X22.pdf.
IPCC (2022). Climate Change 2022: Mitigation of Climate Change. Working Group III contribution to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change — Summary for Policymakers. Cambridge University Press.
Durmaz, Z.; Schroeder, H. Indigenous Contestations of Carbon Markets, Carbon Colonialism, and Power Dynamics in International Climate Negotiations. Climate 2025, 13, 158. https://doi.org/10.3390/cli13080158
Sánchez Contreras, J.; Matarán Ruiz, A.; Campos-Celador, A.; Fjellheim, E.M. Energy Colonialism: A Category to Analyse the Corporate Energy Transition in the Global South and North. Land 2023, 12, 1241. https://doi.org/10.3390/land12061241
