08/05/2024 - Blog Manifestos
A Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável alerta para a importância da alimentação adequada e saudável nas Leis Complementares da Reforma Tributária
A Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável (aqui chamada de Aliança), coalizão que reúne organizações da sociedade civil, associações, coletivos, movimentos sociais, entidades profissionais e pessoas físicas, que defende a alimentação como bem comum e o direito humano à alimentação adequada (DHAA), manifesta preocupação com a concessão de benefícios fiscais, no âmbito das Leis Complementares da Reforma Tributária, para produtos alimentícios ultraprocessados (aqui chamados de ultraprocessados) e agrotóxicos, produtos sabidamente maléficos para a saúde e o meio ambiente.
Tendo a saúde coletiva e o bem-estar social como prioridades que devem estar acima dos interesses econômicos e privados, e diante da apresentação, pelo Governo, em 24 de abril de 2024, de Projeto de Lei (PL), para regulamentação da Reforma Tributária, é urgente apresentar argumentos em defesa da alimentação adequada e saudável na mesa das brasileiras e dos brasileiros, como estratégia de garantia do DHAA.
Apesar das manifestações de instituições acadêmicas, da sociedade civil e de outros setores do Governo, o Ministério da Fazenda não excluiu os ultraprocessados dos benefícios fiscais no âmbito da Reforma Tributária, tampouco os incluiu para incidência da alíquota de tributos seletivos. De acordo com o Governo, os critérios utilizados para a definição de alimentos a receber incentivos fiscais foram:
- As recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira (aqui chamado de Guia Alimentar), priorizando os alimentos in natura ou minimamente processados e os ingredientes culinários processados;
- Os alimentos mais consumidos pela população mais vulnerável, a partir dos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF); e
- Os alimentos da atual Cesta Básica do PIS/COFINS, que já têm sua tributação reduzida, com exceção daqueles de consumo muito concentrado entre os mais ricos.
Apesar de ter o Guia Alimentar como princípio, o texto apresentado pelo Governo propõe a inclusão apenas de bebidas açucaradas no rol de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente sobre os quais incidirá o imposto seletivo (além de tabaco e álcool). Além disso, ultraprocessados como a margarina e algumas variedades de pães foram incluídos na lista da cesta básica, recebendo o benefício da isenção fiscal. Quanto à alíquota reduzida, leite fermentado (iogurte, incluindo os ultraprocessados), bebidas e compostos lácteos receberam o benefício da redução de 60% da incidência do tributo para consumo.
Evidências robustas apontam que o maior consumo de ultraprocessados está associado ao aumento do risco de excesso de peso, obesidade, síndrome metabólica, dislipidemia, hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares, dentre outras doenças, além do maior risco de mortalidade por todas as causas1-7. Além disso, estudo publicado pelo Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares (OBHA) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), estimou que, em 2019, aproximadamente mais de 10% das mortes entre pessoas de 30 a 69 anos de idade (57 mil mortes) foram causadas pelo consumo de ultraprocessados8. Esse número corresponde a 21,8% das mortes prematuras por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) preveníveis12. Reduções entre 10% e 50% no consumo de ultraprocessados poderiam reduzir de 5.900 a 29.300 mortes por ano no Brasil8.
Dados do Ministério da Saúde indicam que, em 2022, ocorreram 798.864 óbitos por DCNT, sendo que 51,7% dos óbitos no Brasil foram causados por DCNT, que incluem as doenças cardiovasculares, cânceres e diabetes, sendo a alimentação não saudável um dos principais fatores de risco para o adoecimento da população9.
No Brasil, o tabagismo tem reduzido a partir de efetivas políticas regulatórias de consumo, incluindo a tributação dos produtos derivados do tabaco. Já a alimentação inadequada segue crescendo no país, resultado da ausência de políticas, programas e ações efetivas para lidar com o problema10.
Ainda assim, apesar dos esforços de outros setores do Governo, como a Saúde e a Assistência Social e Combate à Fome, para a inclusão dos ultraprocessados no rol de produtos a receberem o imposto seletivo, essa proposta não foi incluída no PL apresentado pela Fazenda, que ainda prevê a manutenção de benefícios fiscais para alguns ultraprocessados.
Além disso, apesar de o imposto seletivo para produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente ter sido aprovado na Reforma Tributária, o Ministério da Fazenda também não incluiu os agrotóxicos na lista de produtos a receberem o imposto seletivo.
Estudo que avaliou os duplos padrões regulatórios sobre agrotóxicos, comparando o Brasil com outros países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da Comunidade Europeia e do BRICS, mostrou que, dos 399 ingredientes ativos com registro no Brasil, 85,7% não têm autorização na Islândia, 84,7% na Noruega, 54,5% na Suíça, 52,6% na Índia, 45,6% na Turquia, 44,4% em Israel, 43,4% na Nova Zelândia, 42,4% no Japão, 41,5% na Comunidade Europeia, 39,6% no Canadá, 38,6% na China, 35,8% no Chile, 31,6% no México, 28,6% na Austrália e 25,6% nos Estados Unidos. O estudo indica ainda que 120 ingredientes ativos de agrotóxicos causam danos relacionados à saúde e ao meio ambiente e que ao menos 67,2% do volume de agrotóxicos comercializados no Brasil estão associados a pelo menos um dano crônico grave avaliado11.
Pesquisa brasileira também apresenta relatos de intoxicação em humanos em decorrência de causas ocupacionais, ambientais e acidentais. Os estudos revelam doenças crônicas decorrentes da exposição a agrotóxicos, além de apontar mecanismos de ações genotóxicas, neurotóxicas e desreguladoras do sistema endócrino12.
Diversos estudos associam a exposição crônica a múltiplos agrotóxicos com a ocorrência de diabetes em população idosa13,14, perturbação no metabolismo lipídico e obesidade15, riscos de perturbação cardiometabólica, efeitos epigenéticos, como menarca precoce e obesidade na vida adulta, por agrotóxicos banidos há décadas, entre outros16.
Cabe, ainda, manifestar a preocupação da Aliança com a possibilidade de aplicação do mecanismo de cashback para ultraprocessados e agrotóxicos.
Ainda que a completa exclusão dos ultraprocessados e de agrotóxicos de qualquer benefício fiscal (incluindo o cashback) e a inclusão desses dois grupos de produtos no imposto seletivo precisem ser pautadas no Congresso Nacional com vistas ao aprimoramento da Reforma Tributária, a Aliança gostaria de destacar alguns importantes pontos positivos do PL apresentado pelo Governo: o uso do Guia Alimentar como critério orientador da política tributária, a criação de uma Cesta Básica Nacional majoritariamente composta por alimentos adequados e saudáveis, assim como a lista de alimentos com incidência reduzida.
É nesse contexto que a Aliança conclama a Câmara dos Deputados e o Senado Federal a se comprometerem com a garantia do DHAA por meio da definição de uma cesta básica saudável, da exclusão dos ultraprocessados e agrotóxicos de qualquer benefício fiscal e da inclusão dos ultraprocessados e dos agrotóxicos no imposto seletivo.
Para saber mais sobre a Aliança: https://alimentacaosaudavel.org.br
Referências:
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