A Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, em conjunto com mais de 50 ex-ministros, especialistas, grupos de pesquisa e organizações da saúde e infância, vem a público alertar a sociedade brasileira sobre o risco de que refrigerantes, produtos supérfluos associados a doenças graves e mortes evitáveis, sejam retirados do imposto seletivo, criado no âmbito da reforma tributária para sobretaxar produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. A indústria de refrigerantes, aliada a outras entidades e associações empresariais de outros setores, vem usando de ameaças infundadas, argumentos falaciosos e pesquisas com conflito de interesses para persuadir parlamentares a derrubar a proposta do governo, e retirar os refrigerantes do imposto seletivo, que vai sobretaxar também tabaco e bebidas alcoólicas.

A tributação de bebidas açucaradas e outros alimentos não saudáveis é política pública de prevenção de doenças crônicas recomendada pela Organização Mundial de Saúde e Banco Mundial. No Brasil, dezenas de sociedades médicas, organizações de saúde e conselhos de direitos se manifestaram a favor do imposto seletivo não só para refrigerantes, como para todos os produtos ultraprocessados – e estes posicionamentos precisam ser considerados pelos parlamentares.

Não há qualquer dúvida sobre o impacto negativo dos refrigerantes para a saúde das famílias brasileiras e para os cofres públicos. No Brasil, 2,2 milhões de adultos brasileiros e cerca de 721 mil crianças estão com obesidade ou sobrepeso devido ao consumo de bebidas açucaradas, que incluem refrigerantes e outras bebidas, como sucos de caixinha e achocolatados. A obesidade não é o único impacto negativo: 1,3 milhão de pessoas têm diabetes tipo 2 no Brasil devido ao consumo de bebidas açucaradas, com mais de 80 mil novos casos por ano e 5.179 mortes de pacientes. Além disso, essas bebidas são responsáveis por 323 mil pessoas com doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e câncer. No total, 13 mil pessoas morrem anualmente pelo consumo dessas bebidas, enquanto o custo ao Sistema Único de Saúde alcança R$ 3 bilhões/ano.

Todos os estudos realizados sobre a tributação de bebidas adoçadas mostraram que a maior tributação gera aumento do preço final e redução de seu consumo. Mais ainda, os estudos não identificaram consequências econômicas negativas, como redução do emprego. Não à toa, mais de 65 países e regiões, como Espanha, Peru, Colômbia, Chile, México, Portugal, Reino Unido e França já adotaram esse tipo de tributo.

No Brasil, estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) mostra que adotar um imposto entre 20% sobre bebidas adoçadas reduziria o consumo desses produtos em 19%, geraria R$ 4,7 bilhões em arrecadação ao governo, aumentaria o PIB em R$ 2,4 bilhões e geraria 69 mil empregos em função da migração de consumo para outras categorias mais saudáveis, como leite.

A reforma tributária preserva a Zona Franca de Manaus, onde as indústrias de bebidas açucaradas recebem benefícios fiscais bilionários, o que esvazia o sentido das ameaças de perdas econômicas e fuga de indústrias para outros países. Pelo contrário, estas corporações vêm apresentando crescimento de faturamento ano a ano, mesmo em momentos de crise. Desse modo, a aplicação do imposto seletivo a esta categoria apenas ajuda a corrigir, minimamente, uma distorção tributária que já perdura décadas e incentiva o consumo de refrigerantes.

Neste momento, a regulamentação da reforma tributária está sendo discutida em um GT da Câmara dos Deputados, que deve ser concluído até 3 de julho, com a apresentação de um texto substitutivo. Na sequência, o texto deve seguir para votação em plenário ainda na primeira quinzena de julho.

Sabemos que a reforma tributária é uma oportunidade histórica para o país e vai deixar um legado para a saúde desta e das próximas gerações. Portanto, a despeito de todo o lobby da indústria e com base em evidências científicas livres de conflito de interesses, é importante frisar que os refrigerantes são bebidas ultraprocessadas açucaradas prejudiciais à saúde e devem permanecer no imposto seletivo, com vistas a reduzir seu consumo e prevenir doenças.

São Paulo, 28 de junho de 2024.

Assinam
1. Arthur Chioro (médico sanitarista, pesquisador e ex-ministro da Saúde)
2. Bela Gil (chef de cozinha e apresentadora de TV)
3. Carlos Monteiro (médico, pesquisador, professor emérito da Universidade de São Paulo)
4. Daniel Becker (médico sanitarista e pediatra)
5. Gonzalo Vecina Neto (médico sanitarista, professor da USP e ex-presidente da Anvisa)
6. João Paulo Pacífico (CEO do Grupo Gaia, empresário, escritor e ativista)
7. José Agenor Álvares da Silva (bioquímico, sanitarista e ex-ministro da Saúde)
8. José Graziano da Silva (diretor geral do Instituto Fome Zero, ex-ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome e ex-diretor geral da FAO)
9. José Temporão (médico sanitarista, pesquisador e ex-ministro da Saúde)
10. Monica De Bolle (economista, imunologista e pesquisadora)
11. Rodrigo Spada (presidente da Afresp e Febrafite)

E as seguintes organizações e grupos de pesquisa:
12. ACT Promoção da Saúde
13. Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável
14. Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço – ACBG Brasil
15. Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO
16. Associação Brasileira para a Promoção da Alimentação Saudável e Sustentável – ABPASS
17. Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO)
18. Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo – AFRESP
19. Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais – FEBRAFITE
20. Associação Sergipana de Proteção aos Diabéticos
21. Campanha Gente é pra brilhar, não para morrer de fome
22. Cátedra Josué de Castro da USP
23. Coletivo Banquetaço
24. Comida do Amanhã
25. Comunidade de Prática América Latina e Caribe Nutrição e Saúde – Colansa
26. FIAN Brasil
27. Fórum Intersetorial Para Combate às CCNTs no Brasil – Fórum CCNTs
28. Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
29. Grupo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Ambiente Alimentar e Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais – GEPPAAS/UFMG
30. Grupo de Pesquisa em Sistemas Alimentares Sustentáveis da Universidade Federal de São Paulo
31. IBFAN Brasil – Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar
32. Instituto Cordial
33. Instituto da Infância – IFAN
34. Instituto de Defesa de Consumidores – IDEC
35. Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
36. Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS
37. Instituto Desiderata
38. Instituto Ibirapitanga
39. Instituto Socioambiental – ISA
40. Laboratório de Vida Ativa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – LaVA/UERJ
41. Médicos na Cozinha
42. Movimento pela Saúde dos Povos / Brasil
43. Movimento Urbano de Agroecologia – MUDA
44. Núcleo de Alimentação e Nutrição em Políticas Públicas do Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – INU/UERJ
45. Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições da Universidade Federal de Santa Catarina – NUPPRE/UFSC
46. Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo – NUPENS/USP
47. OXFAM Brasil
48. Santa Food
49. Sociedade Brasileira de Diabetes – SBD
50. Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – SBEM
51. Sociedade Médica de Sergipe
52. Slow Food Brasil
53. Usina da Imaginação
54. Vital Strategies

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