POR: PAULA JOHNS

Dois senadores, um do Chile e um do Brasil, amigos e parceiros em várias iniciativas legislativas, se encontraram há dez anos e conversaram sobre projetos de lei na área da saúde pública, mais especificamente na área da alimentação saudável, em busca de soluções para enfrentar o aumento da obesidade e das doenças crônicas não transmissíveis.

O senador chileno elaborou, então, uma proposta que foi apresentada também no Brasil pelo senador brasileiro.

Na ocasião, a proposta mais promissora na área de rotulagem nutricional era a de colocar um semáforo com as cores vermelho, amarelo e verde em produtos que contivessem quantidades excessiva de nutrientes críticos, como gorduras, sódio e açucares.

Ao longo desses 10 anos, muitas coisas aconteceram, principalmente no Chile, onde o projeto teve liderança suficiente para superar os obstáculos e a resistência da indústria de produtos comestíveis ultraprocessados, contrária à proposta. O lobby em terras chilenas subiu para instâncias superiores e, para que o projeto passasse, o senador foi obrigado a retirar qualquer menção ao sistema de semáforo nutricional e delegar a decisão para a área técnica.

O processo seguiu no Chile e a área técnica do Ministério da Saúde foi obrigada a desenvolver e testar modelos de rotulagem para regulamentar a lei. No processo, descobriu-se que o melhor modelo para que consumidores e crianças tivessem uma compreensão clara, rápida e de fácil interpretação sobre os nutrientes críticos seria um selo indicando esses nutrientes somente nos casos necessários.

Bingo para saúde pública. Hoje, o modelo chileno é reconhecido internacionalmente como o melhor para saúde pública e defesa do consumidor.

Guinada radical na estratégia da indústria de produtos comestíveis ultraprocessados. A experiência bem sucedida do Chile levou à ordem de fazer o possível e o impossível para frear o contágio do modelo chileno de selos para outros países da região e para o resto do mundo.

E é nesse contexto que começa a caminhar no Senado brasileiro um projeto de lei praticamente abandonado e esquecido, onde a defesa do semáforo nutricional é defendida ferrenhamente pelo senador, antigo parceiro em ideia do colega chileno, mas que representa a proposta de ninguém mais ninguém menos que a Confederação Nacional da Indústria.

No âmbito nacional a ordem é evitar que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável técnica pelo desenvolvimento do melhor modelo para os objetivos de saúde pública e informação clara para o real direito de escolha, cumpra seu mandato. Como a Anvisa só pode regular o que a lei permite e delega que seja regulado, caso o Congresso Nacional decida aprovar um projeto de lei onde o semáforo nutricional já esteja no texto, isso retira o poder regulatório da Anvisa.

É como se a indústria derrubasse o tabuleiro. Esse é o jogo.

Se a lição chilena puder servir para a indústria de alimentos ultraprocessados repensar sua postura, eu diria que ela deveria ter cuidado, pois vai que nesse processo tenhamos um modelo ainda pior para os objetivos da indústria de deixar tudo como está, fingindo que está colaborando. Vai que a indústria, nesse afã de evitar o modelo chileno, nos faça chegar à conclusão que seria ainda melhor colocarmos fotos de pessoas com diabetes e pernas amputadas, por exemplo, ou imagens de caveira, nesses produtos?

Paula Johns, socióloga, diretora geral da ACT Promoção da Saúde, membro da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.

Foto: Eileen Smith para NPR.org

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