09/03/2020 - Notícias
A Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável e mais de 90 organizações da sociedade civil entregaram no Ministério da Justiça o manifesto “Publicidade Infantil já é ilegal”, contra a proposta de portaria sobre publicidade infantil elaborada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão vinculado ao Ministério. O objetivo da ação é preservar a proteção da criança frente à exploração comercial e ressalta que a publicidade dirigida à criança já é proibida no Brasil. O texto reforça que a maioria da população é contrária a essa prática publicitária antiética e que a justiça brasileira, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, já vem reforçando a proibição a cada novo caso apresentado.
“A publicidade dirigida a crianças já é proibida no Brasil, pelo Código de Defesa do Consumidor. A legislação existente, que é suficiente e adequada, e vale para o ambiente digital, visa à proteção da infância em relação aos interesses comerciais. O que falta é a fiscalização efetiva dos órgãos de defesa do consumidor, pois o próprio STJ já reconheceu a abusividade no direcionamento da comunicação mercadológica ao público infantil. A publicidade de alimentos, em especial de produtos ultraprocessados, voltada para o público infantil, possui papel reconhecido entre as causas do desenvolvimento de excesso de peso nessa fase da vida”, diz Adriana Carvalho, diretora jurídica da ACT Promoção da Saúde.
A proposta da Senacon desconsidera princípios e boas práticas esperados de um órgão da administração pública voltado à defesa do consumidor: a participação ampla, transparente e aberta de outras instituições especialistas nesse debate e uma redação original e colaborativa. As organizações afirmam que o texto como apresentado pode abrir espaços para que as empresas possam dirigir anúncios diretamente ao público infantil, sem a mediação de pais, mães ou responsáveis, se aproveitando da hipervulnerabilidade das crianças, que não conseguem ainda compreender as intenções persuasivas por trás das mensagens publicitárias.
“Em diversos países, inclusive membros da OCDE, já foram criadas regras rigorosas para a proteção das crianças contra os apelos consumistas dos anunciantes. A proposta da Senacon, valorizando a autorregulação, é um retrocesso de todos esses avanços no Brasil e no mundo, e a falta de transparência desse processo macula a imagem do Ministério da Justiça que tem o papel de, além de proteger os consumidores e as crianças, combater conflitos de interesse na Administração Pública”, ressalta Igor Britto, advogado e Diretor de Relações Institucionais, do Idec.
“A publicidade infantil é ilegal e não há justificativa cabível para relativizar isso. Importante, sim, é aumentar a fiscalização dessa prática, fortalecendo a atuação dos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, para que as crianças e suas famílias tenham liberdade para decidir sobre produtos e serviços. São nossas crianças que precisam de proteção, não as empresas interessadas em explorá-las comercialmente”, ressalta Livia Cattaruzzi, advogada do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana.
Confira abaixo o manifesto completo e as organizações signatárias
A publicidade dirigida à criança já é proibida no Brasil1. A maioria da população2 é contrária a essa prática publicitária antiética das empresas e a justiça brasileira, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, reforça a proibição em cada novo caso apresentado, honrando o compromisso do Estado com a proteção da infância.
Não há dúvidas sobre as consequências desastrosas da comunicação direta entre empresas e crianças por meio da publicidade. Atravessando a relação familiar e a autoridade de pais, mães e responsáveis, algumas marcas se aproveitam da falta de maturidade do público infantil para apresentar, com uso de personagens, distribuição de brindes e outros recursos publicitários, estímulos consumistas que usam as crianças como ferramenta de convencimento dos responsáveis na compra de produtos.
As empresas se aproveitam do fato de que crianças até 12 anos, indivíduos hipervulneráveis, inclusive pelo desenvolvimento cerebral inconcluso, não conseguem discernir os limites entre o conteúdo de entretenimento que acessam e as mensagens publicitárias, nem compreender suas intenções persuasivas. A expectativa, angústia e estresse familiar gerados por essas mensagens, em diferentes espaços de socialização da criança (até mesmo nas escolas) e em diversas mídias (da TV à internet), se somam, muitas vezes, aos danos diretos causados pelos próprios produtos – como no caso de produtos alimentícios de baixo valor nutricional, cujo consumo habitual e excessivo leva à obesidade infantil e doenças crônicas não transmissíveis.
É por isso que nos espanta a Secretaria Nacional do Consumidor – Senacon, órgão máximo do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, vinculado ao Ministério da Justiça, apresentar uma proposta de regulamentação da publicidade infantil que ignora a legislação existente, desconsidera todo acúmulo de pesquisas e estudos conceituados e, ainda, parece querer enfraquecer as regras atuais. O texto abre espaço para que empresas possam, em casos específicos, falar diretamente com a criança, sem a mediação de pais, mães ou responsáveis.
Além de ferir a legislação existente, a proposta desconsidera princípios e boas práticas esperados de um órgão da administração pública voltado à defesa do consumidor: uma participação ampla e aberta de outras instituições especialistas nesse debate e uma redação original e colaborativa, em vez da transcrição de trechos do código de autorregulamentação publicitária.
Iniciativas afoitas levam ao desperdício de recursos e energia explicando o que já deveria estar claro: a publicidade infantil é ilegal e não há justificativa cabível hoje para relativizar isso. Fiscalizar a prática seria garantir que as crianças e suas famílias tenham liberdade para decidir sobre produtos e serviços, sem a influência de práticas notoriamente abusivas. São nossas crianças que precisam de proteção, não as empresas interessadas em lucrar com sua falta de discernimento e maturidade.
Assinam o manifesto:
5 Elementos – Instituto de Educação para a Sustentabilidade
ACT Promoção da Saúde
Agência Fervo
Aleitamento.com
Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável
Aliança Pela Infância – Núcleo Holambra
AMOR Pinheiros – Associação de Moradores de Pinheiros
AMSK/Brasil
ANDI – Comunicação e Direitos
APAE Luis Correia-PI
Artigo 227
Associação Bragança Mais
Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê
Associação Brasileira de Procons – ProconsBrasil
Associação dos Procons Catarinenses
Associação dos Procons Paulistas
Associação Cidade Escola Aprendiz
Associação Franciscana de Assistência Social Coração de Maria
Avante-Educação e Mobilização Social
Bloco Deixa que Eu Cuido
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
CCIAO – Casa de Cultura Ilê Asé D’Osoguia
CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular
CEIIAS – Centro de Estudos Integrados, Infância, Adolescência e Saúde
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan
CEPAGRO – Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo
Cinco Estrelinhas Escola de Educação Infantil
Conselho Federal da OAB – Comissão Especial de Defesa do Consumidor
Conselho Federal de Serviço Social
Eludicar Centro Pediátrico
Escola de Educação infantil Educare
Espalhe a Esperança
Família Palmito
Fascia_mediação em artes do movimento
Fian Brasil
FNPETI – Forum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil
Fórum dos Procons Paranaenses
GAJOP – Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares
Gestos
Grupo de Pesquisa em Sistemas Alimentares Sustentáveis da Universidade Federal de São Paulo
IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
IFAN – Instituto da Infância
Instituto Alana
Instituto Avisa Lá Formação Continuada de Educação
Instituto Brasileiro de Direito da Maternidade
Instituto Brasiliana
Instituto Cultura Etc.
Instituto Desiderata
Instituto Defesa Coletiva
Instituto Fazendo História
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Laboratório de Pesquisa da Relação Infância, Juventude e Mídia
MILC – Movimento Infância Livre de Consumismo
Movimento BH pela Infância
Movimento pela Saúde dos Povos
MUDA – Movimento Urbano de Agroecologia
Núcleo Interdisciplinar de Prevenção de Doenças Crônicas na Infância – Pró-Reitoria de Extensão UFRGS
NUPPRE – Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições da Universidade Federal de Santa Catarina
OAB Patos de Minas
Observatório da Mídia
Observatório da Mulher
Observatório sobre Publicidade e Sociedade
Política é a Mãe
Procon Estadual da Bahia
Procon Municipal de Anchieta
Procon Municipal de Arapiraca
Procon Municipal de Araucaria
Procon Municipal de Boa Vista
Procon Municipal de Cachoeirinha
Procon Municipal de Campina Grande
Procon Municipal de Carazinho
Procon Municipal de Cedral
Procon Municipal de Congonhas
Procon Municipal de Conselheiro Lafaiete
Procon Municipal de Divinópolis
Procon Municipal de Embu das Artes
Procon Municipal de Florianópolis
Procon Municipal de Guaiuba
Procon Municipal de João Monlevade
Procon Municipal de Maceió
Procon Municipal de Parauapebas
Procon Municipal de Patos de Minas
Procon Municipal de Ribeirão Preto
Procon Municipal de Rio Pomba
Procon Municipal de Santa Maria
Procon Municipal de Santo Angelo
Procon Municipal de Santos
Procon Municipal de São Carlos
Procon Municipal de São Luiz Gonzaga
Procon Municipal de São José dos Campos
Procon Municipal de Timbó
Procon Municipal de Trindade
Procon Municipal de Vitória
Rebrinc – Rede Brasileira Infância e Consumo
Rede Conhecimento Social
Rede Não Bata Eduque
Renap – Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares do Ceará
Sindicato dos Nutricionistas do Estado de São Paulo
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1 A Constituição federal estabelece a defesa da infância como prioridade absoluta, ideia que é amparada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Convenção Internacional sobre os direitos das crianças da ONU. Especificamente nas relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Legal da Primeira Infância e a Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) consideram abusiva e ilegal a prática de direcionar publicidade a crianças.
2 ACT/Datafolha 2016