Número de crianças e adolescentes com obesidade supera a de desnutridos na mesma faixa etária (foto: pvproductions/Freepik)

 

O relatório “Alimentando o Lucro: Como os ambientes alimentares estão falhando com as crianças”, lançado pelo Unicef neste mês, traz dados preocupantes sobre a nutrição infantil global. Pela primeira vez na história, o estudo revela que o número de crianças e adolescentes com obesidade superou o de crianças desnutridas.

O documento aponta que o aumento do sobrepeso e da obesidade é resultado de ambientes alimentares não saudáveis, onde é comum uma alimentação pobre em nutrientes, vinda de redes de fast food e da farta presença de bebidas açucaradas, lanches, doces e outros produtos alimentícios ultraprocessados no cotidiano. Com isso, as opções in natura ou minimamente processadas são secundarizadas e as famílias vão deixando de lado a variedade de cores, sabores e texturas em suas refeições. 

Segundo o relatório, uma em cada dez crianças e adolescentes (5 a 19 anos) no mundo vive com obesidade. Desde 2000, o número de crianças e adolescentes acima do peso praticamente dobrou, chegando a 391 milhões. E cerca de 81% desse público com sobrepeso agora se concentra em países de baixa e média renda.

Em 2025, um ponto de virada alarmante foi alcançado: pela primeira vez, a prevalência global de obesidade entre crianças e adolescentes de 5 a 19 anos superou a de desnutrição (9,4% versus 9,2%). 

Este relatório mostra, ainda, que mais da metade das crianças em países de baixa e média renda consomem doces ou refrigerantes diariamente – incluindo crianças de 6 a 23 meses. 

Entre os adolescentes, esse número sobe para 60%. O relatório enfatiza que a atividade física, sozinha, não é suficiente para compensar os danos de uma dieta baseada em alimentos industrializados.

Segundo o Unicef, esta realidade, já identificada em diversos países, é fruto da atuação da indústria de alimentos ultraprocessados, da exposição de crianças e jovens a publicidade de fast food, bebidas açucaradas e outros alimentos não saudáveis, especialmente, no marketing digital, e de políticas públicas insuficientes ou pouco abrangentes. 

O documento reporta que poucos países têm um conjunto completo de políticas mandatórias de proteção da alimentação infantil, como restrição e regulação da publicidade, rotulagem de alimentos, tributação de alimentos/bebidas não saudáveis e reformulação de produtos. 

No lado das grandes corporações que produzem ultraprocessados, por sua vez, não faltam recursos para todo tipo de marketing e para ações de lobby, levando a cenários de interferência da indústria alimentícia na formulação e implementação de políticas públicas. 

Outro ponto importante do relatório: o ambiente de varejo, as escolas e aspectos como preço e disponibilidade dos alimentos acabam por favorecer os ultraprocessados, que são mais publicizados e estão mais acessíveis. 

Segundo o Unicef, o custo da falta de ação para crianças, adolescentes e famílias é imenso. As dietas não saudáveis aumentam o risco de sobrepeso, obesidade e outras condições cardiometabólicas em crianças e adolescentes, incluindo pressão alta, glicemia elevada e alterações de lipídios no sangue. 

São problemas de saúde que podem persistir na vida adulta, aumentando o risco de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer. 

O sobrepeso e a obesidade também estão associados à baixa autoestima, ansiedade e depressão entre crianças e adolescentes.

Dados do Brasil e exemplo positivo

Ainda que, no Brasil, a obesidade já ultrapassasse a desnutrição entre crianças e adolescentes de 5 a 19 anos mesmo antes de 2000, o país é citado no relatório como um exemplo positivo. Isso ocorre por conta do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que restringe a compra de ultraprocessados para as escolas, e da rotulagem frontal dos alimentos, que ajuda os consumidores a identificar produtos com alto teor de açúcar adicionado, sódio e gordura.

Segundo levantamento do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), em 2023, 14,2% das crianças com menos de 5 anos estavam com excesso de peso ou obesidade. Nas décadas de 1980 e 1990, cerca de 5% da população infantil apresentava essa condição.

Entre os jovens de 10 a 19 anos, o levantamento indica que um em cada três adolescentes brasileiros apresentava excesso de peso em 2022. 

A Aliança defende o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e políticas públicas que aproximem a população da comida de verdade em nosso país: alimentos in natura ou minimamente processados, vindos de produtores locais e regionais, realização de feiras de pequenos produtores e da agricultura familiar, valorização e proteção da amamentação, proteção do meio ambiente e dos recursos hídricos. 

Ao mesmo tempo, lutamos pela proteção do ambiente escolar, onde as crianças criam hábitos alimentares que levarão por toda a vida, e pela regulação da publicidade de produtos alimentícios ultraprocessados, em especial, aquela voltada ao público infantil. 

 

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