A Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável divulgou nesta terça-feira (20) um posicionamento para contribuir com os debates sobre a importância da luta para superar a fome e para promoção do acesso a uma alimentação adequada e saudável.

A luta contra a fome envolve combater desigualdades sociais, concentração de riqueza, problemas nos sistemas alimentares e outras questões estruturais que afetam a distribuição equitativa de alimentos. Ademais, a Aliança destaca que a alimentação adequada e saudável é um direito humano e uma obrigação do Estado, reconhecida em normativas nacionais e internacionais. Para combater a fome de maneira sustentável, é essencial implementar políticas que envolvam ampla participação da sociedade civil e dos grupos vulneráveis. Isso inclui garantir acesso à terra e condições de produção, fortalecer circuitos curtos de produção, regular preços de alimentos, promover políticas de trabalho e renda, investir em educação alimentar e nutricional e proteger a amamentação.

A superação efetiva da fome requer, entre outras ações, medidas emergenciais e mudanças estruturais nos sistemas alimentares — livres de conflitos de interesses —, com o fortalecimento do papel do Estado e o compromisso com o interesse público e comum. Leia abaixo o posicionamento da Aliança e colabore para que o texto chegue a mais pessoas. Compartilhe!

 

Posicionamento da Aliança na luta contra a fome: superar a fome com alimentação adequada e saudável

A Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável (Aliança) é uma coalizão que agrega diferentes organizações da sociedade civil, associações, coletivos, movimentos sociais, entidades profissionais e pessoas físicas que defendem o interesse público com o objetivo de desenvolver e fortalecer ações coletivas que contribuam para a realização do direito humano à alimentação adequada (DHAA). Em diferentes frentes, cobramos para que o Brasil avance no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), entre eles, o de acabar com a fome até 2030.

A Aliança é alicerçada na defesa e na promoção do DHAA que, como define o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais1, do qual o Brasil é signatário, é composto por duas dimensões indivisíveis: a de viver livre da fome tendo acesso a uma alimentação adequada e saudável.

A fome é uma condição inadmissível, que nega a dimensão de humanidade plena e de oportunidade de vivência de todo o potencial humano a quem vive nessa condição. A luta contra a fome é necessariamente parte da bandeira da garantia de uma alimentação adequada e saudável para todas as pessoas.

A realização ou violação deste direito é resultado de um complexo processo que facilita ou dificulta que as pessoas tenham acesso às condições para produzir, coletar, pescar ou acessar (física ou financeiramente) alimentos adequados à sua saúde, que respeitem sua cultura e que sejam produzidos de formas social, econômica e ambientalmente justas e sustentáveis.

Assim, a existência de milhões de pessoas vivendo com fome, como acontece no Brasil atualmente, é consequência de processos políticos e econômicos que concentram a riqueza do país em grandes corporações, precarizam as relações de trabalho, geram desemprego, evasão escolar e pobreza e desprotegem as pessoas mais vulneráveis. Esses processos se dão tanto no âmbito dos sistemas alimentares (envolvendo toda a cadeia, desde a produção de sementes até a refeição disponível, ou não, para as pessoas) quanto em outros setores da sociedade.

A distribuição e o acesso desiguais e injustos a terras e a bens coletivos, como os bens naturais; a violação dos direitos de camponesas e camponeses, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais; a devastação ambiental e a perda da nossa sociobiodiversidade; o sistema tributário brasileiro; o racismo; as inequidades de gênero e geracional; a concentração das diferentes etapas dos sistemas alimentares em grandes corporações (entre elas, as produtoras de sementes e insumos agrícolas, as indústrias de alimentos ultraprocessados e as grandes redes de supermercados) contribuem para o aprofundamento das desigualdades sociais em nosso país e para a ocorrência da fome e da desnutrição e, ao mesmo tempo e de forma sinérgica, da obesidade e das mudanças climáticas. Esse fenômeno, conhecido como sindemia global de fome/desnutrição, obesidade e mudanças climáticas, tem nos sistemas alimentares hegemônicos um de seus principais determinantes2.

A alimentação adequada e saudável é um direito humano e uma obrigação do Estado. Obrigação reconhecida em normativas de direitos humanos e em nossa Constituição Federal, bem como na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) que define diretrizes em diferentes setores para a garantia da segurança alimentar e nutricional (SAN)3. Portanto, a realização desse direito não pode sofrer interferência nem ficar subordinada aos interesses dos grandes agentes econômicos que estruturaram e se beneficiam com a forma como os sistemas alimentares hegemônicos funcionam.

A superação da fome no Brasil pressupõe a combinação de ações emergenciais de mitigação desse flagelo com medidas estruturantes. Estas últimas envolvem o enfrentamento do racismo e das desigualdades de gênero e iniciativas que produzam uma profunda mudança em nossos sistemas alimentares de forma que se tornem social, econômica e ambientalmente sustentáveis e sejam produtivos e prósperos, promotores de equidade e inclusão, empoderadores e democráticos, resilientes, regeneradores, saudáveis e nutritivos4.

Com a escalada vergonhosa da fome, é esperado que a sociedade como um todo se mobilize com os instrumentos que tem para aplacar essa condição inaceitável. Durante a pandemia de COVID-19, muitas iniciativas solidárias e inovadoras da sociedade civil organizada e de movimentos sociais foram fundamentais para que milhares de pessoas se alimentassem. Este aprendizado hoje inspira a elaboração de políticas públicas de SAN.

Nós, da Aliança, apoiamos e divulgamos ações promovidas pela sociedade civil que atuam na proteção e promoção de direitos. Em um momento em que o governo federal se recusava a assumir a simples existência da fome, era urgente fazer algo. E muito foi feito: desde ações de distribuição de alimentos e refeições que articularam agricultores familiares com comunidades periféricas até ações de incidência e pressão por políticas públicas que mitigassem a fome, como o aumento do valor do Auxílio Emergencial, por exemplo.

Para enfrentar a fome de maneira sustentável, garantindo uma alimentação adequada e saudável, é preciso implementar e fortalecer políticas concebidas com ampla participação dos segmentos vulnerabilizados e da sociedade civil comprometida com o interesse público. Políticas que garantam terra e condições de produção, distribuição e comercialização de alimentos adequados e saudáveis e que também promovam uma vida digna a quem os produz e cuida da natureza, como fazem os povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultoras e agricultores familiares.

Também é fundamental fortalecer circuitos curtos de produção que mantenham os comércios locais e de pequeno porte e as feiras livres e políticas de abastecimento que garantam a disponibilidade de alimentos adequados e saudáveis a preços justos, principalmente em regiões vulnerabilizadas, como as periferias das cidades; garantir políticas de trabalho e renda para que as pessoas possam adquirir esses alimentos sem abrir mão de outros direitos fundamentais; garantir políticas que regulem o preço de alimentos; garantir políticas tributárias que promovam a redistribuição da riqueza e a saúde das pessoas e do meio ambiente; fortalecer e ampliar a rede de equipamentos públicos de soberania e SAN, como restaurantes populares, cozinhas comunitárias e bancos de alimentos.

Além disso, são necessárias políticas que garantam que, tendo acesso, as pessoas sejam apoiadas a se alimentar de forma adequada e saudável por meio de políticas de saúde e de educação alimentar e nutricional; que promovam uma rotulagem adequada de alimentos; que restrinjam a publicidade de produtos alimentícios não saudáveis; que regulem ambientes alimentares institucionais, como as escolas; e que promovam, apoiem e protejam a amamentação.

Para superar a fome com alimentação adequada e saudável, é imprescindível desenvolver medidas emergenciais de mitigação e investir em mudanças estruturais dos nossos sistemas alimentares livres de conflitos de interesses. Somente um ambiente decisório, de planejamento e implementação que fortaleça o papel do Estado e que tenha como núcleo a defesa do interesse público e comum poderá gerar condições reais para a superação efetiva e sustentável das profundas desigualdades sociais, de gênero e de raça presentes em nosso país. É o compromisso com os interesses públicos e comuns que permitirão a retomada de políticas de Estado que garantam a SAN para toda a população.

Núcleo Gestor
Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável

Referências:

  1. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 1966. Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20os%20Direitos%20Econ%C3%B3micos,%20Sociais%20e%20Culturais.pdf. Acesso em junho/2023.
  2. SWINBURN et al. The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: The Lancet Commission report. The Lancet 2019; Published Online. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32822-8
  3. BRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União, 18 set. 2006.
  4. HLPE. Food security and nutrition: building a global narrative towards 2030. A report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security, Rome. 2020.
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