15/12/2020 - Blog Notícias
Fonte: Ascom/Ação Coletiva Comida de Verdade
A disseminação da Covid-19, no final de 2019, surpreendeu países de todo o mundo. Não só pela gravidade dos impactos trazidos a diferentes populações, mas também pela rapidez com que o vírus Sars-Cov-2 se alastrou e continua se alastrando por diferentes territórios. Diante de uma crise sanitária sem precedentes e em proporções globais, acompanhada de crises políticas, econômicas, de saúde e de alimentação, governantes, comunidades científicas e os diversos segmentos da sociedade civil buscam soluções e alternativas, ao mesmo tempo em que tentam compreender aspectos essenciais da pandemia, como a origem do vírus, a dimensão dos impactos causados e caminhos para a superação.
Desde o início da pandemia, e até mesmo antes de seu surgimento, o conhecimento científico tem sido fundamental como uma das frentes de combate ao coronavírus, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Cientistas de diversas áreas se debruçam na produção de dados e informações que podem subsidiar a luta contra o vírus, testes de medicamentos, a produção de vacinas, entre outras questões. Mas, se por um lado a pandemia da Covid-19 se apresenta em escala global, por outro ocasiona fenômenos e experiências de caráter territorial, que também demandam análises qualitativas e olhares mais específicos.
É por isso que a pesquisa e a produção de conhecimento se colocam como uma das frentes de atuação da “Ação Coletiva Comida de Verdade: aprendizagem em tempos de pandemia”. Criada a partir da urgência e da necessidade de compreender os percursos do abastecimento alimentar no Brasil em meio à pandemia, a Ação Coletiva Comida de Verdade criou um rico e amplo acervo bibliográfico que agora segue à disposição de pesquisadoras/es, professoras/es, estudantes, profissionais de diversas áreas e outros segmentos da sociedade civil.
De acordo com Thaís Bassinello, secretária executiva da Ação Coletiva, o acervo foi pensado para embasar os diversos estudos e análises diante da necessidade de se produzir amplo conhecimento sobre a relação entre a produção de alimentos e a pandemia. “O acervo se apresenta a partir de uma função dual, que é dar embasamento para depois fazer análise das experiências que foram mapeadas e também ofertar isso para o público, seja pesquisadores ou gestores públicos, ou mesmo pessoas interessadas, de uma maneira prática e acessível. O público já estava tendo um gostinho do acervo, a partir do Dicas de Leitura divulgado semanalmente, e agora terá à disposição mais de 350 documentos catalogados. É importante ressaltar que o acervo foi preparado majoritariamente por pesquisadoras do projeto, com o apoio do Comitê Gestor da Ação Coletiva e de parceiros externos também, pois muitas pessoas interessadas nos enviaram sugestões de materiais”, ressalta Thaís.
Abastecimento alimentar
Diante de uma das maiores crises sanitárias da humanidade e o agravamento dos índices de fome e insegurança alimentar, os caminhos que articulam produção, acesso e distribuição de alimentos saudáveis e adequados à população se destacam como agenda central e urgente. Nessa situação desafiadora, diversos grupos, coletivos, movimentos sociais e instituições passaram a protagonizar iniciativas de abastecimento alimentar em diferentes vertentes: campanhas de doação de alimentos, uso da tecnologia de comunicação na agricultura familiar para comercialização da produção, sistemas de entrega de alimentos, cooperativas de consumidoras/es e/ou agricultoras/es, entre muitas outras.
Entre os meses de agosto e outubro de 2020, 310 experiências como essas foram mapeadas em todo o Brasil pela Ação Coletiva Comida de Verdade, através do cadastramento de informações na plataforma do Agroecologia em Rede (AeR). O que essas experiências nos ensinam sobre o acesso à comida saudável e produzida de maneira sustentável? Quem são as/os protagonistas dessas iniciativas e o que as/os move? Quais os desafios, as estratégias e os resultados dessas ações coletivas e em rede? Em que medida essas experiências podem inspirar a criação de políticas públicas voltadas ao fortalecimento de sistemas agroalimentares justos, inclusivos e sustentáveis?
Responder a essas e outras perguntas a partir do olhar analítico e da pesquisa científica é o objetivo da segunda fase da Ação Coletiva. As informações sistematizadas na plataforma do AeR a respeito das experiências cadastradas em todos os estados do Brasil e no Distrito Federal serão o ponto basilar para o olhar analítico da equipe que compõe o Comitê Gestor da Ação Coletiva, formado por profissionais e pesquisadoras/es de diversas áreas.
O acervo bibliográfico da Ação Coletiva, organizado e sistematizado pelas pesquisadoras Patrícia Maíssa, doutoranda em Planejamento e Gestão do Território na Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, e Renata Soares, mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e integrante do Observatório de Desenvolvimento Regional (Observa DR), será fundamental para as análises. Composto por artigos científicos; reportagens; decretos, normas, resoluções e outros documentos do marco legal; dissertações e teses; livros; relatórios, entre outros tipos de materiais, ele agora está disponível para consulta de toda a população.
Acervo Bibliográfico
Cerca de 48% do material reunido no acervo bibliográfico é composto por artigos científicos, enquanto 25% refere-se a reportagens midiáticas, 14% a relatórios e outros documentos de origem internacional e, entre 1 e 5% das obras é referente a dissertações e teses; documentos governamentais; vídeos; livros, entre outros.
Quanto à origem das publicações, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (Food and Agriculture Organization of the United Nations – FAO, em inglês) se destaca em primeiro lugar, seguida pelo portal brasileiro O Joio e o Trigo, pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), a revista internacional Nutrients, entre outros.
O levantamento realizado pelas pesquisadoras também destaca o mês de setembro como o maior período em quantidade de publicações, desde o ano de 2019 até o presente momento. Além disso, a abordagem dos materiais reunidos refere-se majoritariamente ao aspecto global (59%), seguido da abordagem nacional (29%) e entre 1 e 5% à abordagem sobre a América Latina, bem como abordagens regionais, estaduais e locais.
De acordo com a pesquisadora da Ação Coletiva, Renata Soares, o acervo deve contribuir com a condução de análises e pesquisas de diversas áreas do conhecimento. “O principal objetivo do acervo é reunir e disponibilizar materiais para a segunda fase da Ação Coletiva, que é a das análises. Essa sistematização é importante para embasar o olhar analítico sobre as experiências mapeadas. Com a disponibilização desse acervo para toda a sociedade, pesquisadoras e pesquisadores poderão buscar materiais por palavras-chave, pelo nome do autor ou da autora e, além de artigos científicos, poderá encontrar muitas reportagens produzidas nesse período”, afirma Renata.
Comida de Verdade
“Com a disponibilização desse acervo para toda a sociedade, pesquisadoras e pesquisadores poderão buscar materiais por palavras-chave, pelo nome do autor ou da autora e, além de artigos científicos, poderá encontrar muitas reportagens produzidas nesse período”
Renata Soares
Ao falar sobre as inspirações e a metodologia para o trabalho de construção do acervo, as pesquisadoras destacam um ponto interessante que diz respeito à riqueza da cultura alimentar e semântica do nosso povo: o termo “comida de verdade” só existe no Brasil. “Quando começamos a montar o acervo bibliográfico, usamos palavras-chave em português, e suas correspondentes em espanhol e inglês. Percebemos que a principal palavra-chave, que é ‘comida de verdade’, não tem tradução literal para outros idiomas. Utilizamos muitas outras, como segurança nutricional, soberania alimentar, agroecologia e sistemas alimentares locais, todas relacionadas à questão da Covid-19, mas comida de verdade só existe em português”, conta a pesquisadora da Ação Coletiva, Patrícia Maíssa.
O termo “comida de verdade” foi cunhado há 5 anos, na 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, realizada entre os dias 3 a 6 de novembro de 2015, em Brasília, a partir do lançamento do Manifesto “Comida de Verdade no Campo e na Cidade, por Direitos e Soberania Alimentar”. O documento diz que “A comida de verdade é salvaguarda da vida. É saudável tanto para o ser humano quanto para o planeta, contribuindo para a redução dos efeitos das mudanças climáticas”. Além disso, a “comida de verdade começa com o aleitamento materno, é produzida pela agricultura familiar, com base agroecológica e com o uso de sementes crioulas e nativas”.
O mapeamento conduzido pela Ação Coletiva, que reuniu 310 experiências em abastecimento alimentar, mostra que a comida de verdade não só continua sendo fortemente produzida pela agricultura familiar em cada canto desse país, como revela também a potência das redes de solidariedade formadas por quem conhece o valor do trabalho na terra e do alimento produzido de forma saudável e sustentável. Para a pesquisadora Patrícia Maíssa, antes mesmo das análises mais aprofundadas sobre o acervo, já é possível destacar alguns elementos para reflexão a respeito do assunto.
“No levantamento do acervo, a transição dos sistemas agroalimentares aparece a partir de observações muito interessantes. Primeiro, referente à alteração dos hábitos de consumo durante a pandemia. Alguns estudos mostram que tem gente que começou a comer muito mal e tem gente que começou a comer bem melhor. Outra questão que os estudos apresentam é referente às mudanças no abastecimento alimentar, já que os próprios produtores tiveram que se reinventar e descobrir novos caminhos para escoar a produção. Por outro lado, os estudos mostram também os impactos da ausência de políticas públicas para o acesso da população ao alimento saudável. E por isso a importância do mapeamento dessas experiências no Brasil, pois temos a oportunidade de confirmar na prática, através de estudos atentos e cuidadosos, as informações apontadas pelo acervo que foi sistematizado”, explica Patrícia.
A escassez de dados diante de uma pandemia que se disseminou e continua produzindo impactos de maneira muito rápida é outra questão identificada pelo levantamento bibliográfico do acervo, o que reafirma a importância do mapeamento da Ação Coletiva. “Nós encontramos muitos artigos que trazem análises e reflexões fundamentais, mas pouco material voltado à coleta de dados. Por mais que, para nós, a pandemia já dure muito, o tempo da pesquisa é diferenciado, não há ainda muitos dados disponíveis. Por isso, a ideia é que o trabalho de análise conduzido pela Ação Coletiva sobre as experiências cadastradas na plataforma do Agroecologia em Rede possa preencher essa lacuna, pelo menos no Brasil, já que o mapeamento traz muitas informações locais, mais territorializadas”, afirma Renata.
A partir de hoje o acervo pode ser acessado neste link, disponível na seção “Biblioteca” do site da Ação Coletiva Comida de Verdade.