Por Rafael Neves Fonseca,
mestrando do Programa de Pós-graduação em Gestão Pública e Cooperação Internacional da UFPB, pesquisador do grupo de Pesquisa FomeRI (Fome e Relações Internacionais) e da REDAGRI (Rede de Estudos Agroalimentares Internacionais)e membro da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.

A greve dos entregadores de aplicativos, no dia 01 de julho de 2020, é objeto de discussão elementar para o campo da Segurança Alimentar e Nutricional. Além dos entregadores serem agentes estratégicos das cadeias de comercialização nos centros urbanos, também são vítimas das disfunções dos sistemas agroalimentares contemporâneos.

Os entregadores organizaram uma paralisação nacional, que também aconteceu em outros países da América Latina, para exigir melhores condições de trabalho. As demandas são objetivas: reajuste de preços (aumentar o valor pago por quilometro rodado), reajuste anual (correção dos valores de acordo com a inflação e indicadores econômicos), tabela de preços, fim de bloqueios indevidos, equipamento de segurança, apoio contra acidentes e reformulação do programa de pontos. Importante destacar que não há vínculo trabalhista, do ponto de vista da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), entre os entregadores e os aplicativos de entrega. 

Dito isso, as manifestações realizadas na primeira semana de julho podem ser vistas como uma articulação pontual, com exigências específicas, ou também por meio de um ângulo mais amplo, dos direitos humanos, condições alimentares e de trabalho no século XXI. 

No documentário apresentado no final deste artigo, Altair José Holanda Burgi e Rafael Neves Fonseca procuram retratar a greve dos entregadores além das demandas pontuais, mas através de elementos das condições de trabalho. Neste sentido, ao longo da filmagem, é possível encontrar eixos estruturais dos estudos da Segurança Alimentar e Nutricional, tanto dos entregadores, que são os personagens centrais do mini documentário, até uma reflexão do tipo de alimentos que as empresas de aplicativos entregam. 

A seguinte pergunta guiou a produção: por que o entregador carrega comida nas costas e, muitas vezes, possui uma rotina de insegurança alimentar e nutricional? 

A partir desta discussão, entendemos que há uma articulação entre as abordagens da Saúde Pública e da Nutrição com o campo das Ciências Sociais. Se de um lado, há um esforço das abordagens nutricionais para investigar os tipos de alimentos que consumimos e seus efeitos na saúde humana, também existe um olhar do campo das Ciências Sociais sobre as dietas das diferentes classes sociais. 

No atual sistema agroalimentar corporativo, cresce cada vez mais o domínio das grandes empresas sobre a produção, distribuição e consumo dos alimentos. Onde os grandes conglomerados de grãos controlam a produção agrícola e as grandes redes de supermercados controlam a disponibilidade de alimentos nos territórios, há campo fértil para que as empresas de aplicativos de entrega controlem uma parcela crescente da distribuição de comida nos centros urbanos, configurando uma forte rede de influência direta sobre os hábitos de consumo de alimentos pela população. 

O documentário serve como ponto de reflexão sobre a forma de distribuição e comercialização dos alimentos nos centros urbanos, mostrando um outro lado dos sistemas agroalimentares que também contribui para a criação de graves danos sociais, que evidencia a carência de regulação. Essa busca incansável para vender alimentos e serviços baratos reflete diretamente na saúde humana e nas condições de trabalho, porque para o consumidor final pagar barato as remunerações dos trabalhadores, imersos nas cadeias de produção, distribuição e comercialização dos produtos também deve ser baixa. Afinal, qual é o custo humano atrás dos preços e dos produtos?

Neste sentido, o minidocumentário busca retratar mais uma face da realidade social que denuncia as desigualdades do nosso país. Além disso, mostra como o país que já serviu de exemplo mundial no combate à fome ainda convive com problemas profundos e desafiadores tanto para a sociedade civil quanto para o poder público. 

Assista abaixo o documentário ou no link: https://youtu.be/5SRfFJK41hI