Por Alexandra Pinho e Kátia Cesa

No Dia Mundial da Água, comemorado em 22 de março, aproveitamos para fazer uma reflexão sobre a água como direito humano e os aspectos que envolvem desde a sua disponibilidade no planeta até a água que é usada para o consumo da população.

Em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que a água é um direito humano essencial. Quando falamos da água, não estamos falando de mais um bem em nossa cesta de consumo básico. A água é um dos recursos mais importantes para a vida. Nós e nossas células são compostas por 70% de água e a composição do planeta Terra é de 75% de água.

Embora o planeta seja grande parte preenchido por água, somente cerca de 1% de toda a água do planeta é disponível e potável para consumo. Para a água ser considerada potável, é preciso estar de acordo com as normatizações que regulamentam a quantidade de patógenos e poluentes. No Brasil, esta normatização, o estabelecimento dos padrões de potabilidade e a fiscalização são de responsabilidade do Ministério da Saúde.

É na portaria Nº 2.914, de 12 de dezembro de 2011, que encontramos os valores, que variam de acordo com a substância ou patógeno, e geralmente são baseados em pesquisas científicas de toxicidade. Entretanto, de uma maneira geral, os valores máximos de poluentes permitidos na água pela legislação Brasileira são bastante altos, principalmente, quando comparados com os da União Europeia. Um ótimo exemplo é o Limite Máximo de Resíduo (LMR) para o herbicida mais utilizado no mundo, o glifosato, que no Brasil é de 500 µg/L, enquanto que na União Europeia é de 0,1 µg/L. Ou seja, a legislação brasileira do Ministério da Saúde permite que na água do brasileiro contenha uma concentração 5000 vezes maior de glifosato do que na Europa.

Além do mais, os valores de LMR são baseados em cada poluente unicamente. Mas muitas vezes, são encontrados diversos poluentes em uma única amostra de água, contudo, a nossa legislação não prevê valores para diversos poluentes conjuntamente. Infelizmente, o que vemos atualmente no Brasil são indicadores alarmantes de lentidão e inação do poder público para proteger o nosso direito fundamental. Se você nunca parou para pensar de onde vem a água que sai da torneira da sua casa, e quais caminhos ela percorreu, é hora de começar a fazer isso. É hora também de pensar seu papel como cidadão e ativista para garantir que esse direito não nos falte.

E então? Após conhecer um pouco da realidade atual, qual é a opção? Comprarmos água envasada? Ou optamos por beber a água da torneira com um filtro, mesmo simples, como os de barro?

Temos convicção que a água deve, de preferência, ser consumida localmente. Assim como a comida, ela pode ter uma enorme pegada ecológica para chegar até seu local de consumo. Aos impactos ambientais das embalagens que acondicionam a água somam-se as emissões atmosféricas ligadas ao seu transporte, desde o local de envasamento até onde será consumida. Logo, o consumo da água local em detrimento da água engarrafada deveria se tornar item essencial da cartilha da alimentação sustentável.

Dar preferência ao consumo da água filtrada é importante porque ao fazermos isso estamos exercendo nosso direito ao acesso à água de boa qualidade. E que sem isso a nossa vida nas grandes cidades se tornaria gradativamente insuportável e inviável. Simplesmente não é possível realizarmos nossa higiene pessoal, limpeza das moradias e preparação e consumo de alimentos dentro e fora das nossas casas com segurança, se a água tratada que chega até nós, não for própria para o consumo humano, água potável. Querendo ou não, percebendo ou não, nós a estamos consumindo. A água está
em tudo.

Praticar o consumo da água filtrada é muito mais do que economia financeira, é um ato cidadão, pois, valoriza a água tratada da sua cidade, patrimônio comum e de direito dos habitantes. Também, podem ser economizados milhares de embalagens descartáveis que poluem e degradam o ambiente. Ser consciente e lembrar-se disso todos os dias, e é uma pratica que fortalece uma causa muito importante, a do consumo responsável.

A água engarrafada chega a custar 800 vezes mais do que a água da torneira e encontrar informações sobre a qualidade das águas minerais no Brasil não é simples. Na verdade, não há como ter acesso à documentação sobre a qualidade da água engarrafada, e você depende unicamente da confiança nos rótulos.

As empresas de água mineral usam na publicidade o argumento de que a água subterrânea está confinada e, consequentemente, fica protegida da poluição. Seria bom se fosse assim, mas existem estudos que comprovam que a poluição pode chegar a todos os lugares – até mesmo ao lençol freático. É importante saber que os maiores aquíferos do Brasil estão abaixo de áreas com intensas atividades agropecuárias.

Além disso, existem outros problemas advindos das águas envasadas, como por exemplo, as embalagens de plástico, que ao serem expostas a intensas radiações solares eliminam poluentes provenientes da decomposição do material, como o Bisfenol-A. Aproximadamente 75% da água envasada no Brasil está em garrafões, e os problemas não acontecem quando as embalagens são novas, mas com a manutenção, a exposição ao calor e as múltiplas lavagens dos garrafões, que tem vida útil de três anos. Não é difícil ver caminhões descarregando garrafas Pet ou garrafões de água e deixando o produto ao sol
na calçada ou transportando essa carga em caminhões, no sol, a céu aberto.

Por aqui nos perguntamos: Porque as nossas companhias de abastecimento de água não divulgam o seu produto? Um dos problemas que gera a insegurança da população com a água da torneira é que na maior parte do país, as Companhias de Abastecimento não realizam nenhuma ação para conscientizar a população sobre o consumo e a segurança da água tratada. A única comunicação que fazem é sobre a economia que temos que fazer, mas nada sobre a sustentabilidade e a segurança sanitária de beber a água da torneira.

Reforçamos a nossa posição que a água de torneira, enquanto um bem vital e um direito humano previsto na Constituição, deve ser exaustivamente defendida pela população e garantida como um bem público. O único caminho para salvar a água potável é a mobilização da população. As melhores experiências para se obter uma água com qualidade é quando os cidadãos participam da gestão da água, fiscalizando as empresas de tratamento e exigindo que as autoridades aumentem o orçamento para esse bem tão precioso que é a “água”. Ter acesso à água tratada de boa qualidade e poder consumi-la localmente significa também que precisamos aprender com urgência a nos mobilizar por esta causa.

Alexandra Pinho é bióloga e doutora em Engenharia Agrícola. Kátia Cesa é mestre em Saúde Coletiva e ativista do Movimento pela Saúde dos Povos. Ambas são integrantes da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.

1 Comment

  • bySolange Paraíso
    Posted 28/03/2019 18:08 0Likes

    Interessantíssima, esta abordagem. Considero a massificação do consumo de água mineral uma estratégia perversa, tanto pela logística, como pela ignorância dos consumidores em relação à qualidade da água da torneira.
    Nossos bons e velhos filtros de barro se tornaram obsoletos pelo trabalho que davam, nos quesitos manutenção e higiene.
    A neurose por água gelada e a praticidade nos fizeram reféns do consumo de água mineral…
    Além disso, o descrédito sobre a seriedade no tratamento da água pelas companhias de tratamento e distribuição corroborou o ciclo pernicioso de incentivo ao consumo de água envasada.
    Parabéns pela matéria!!!

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