Marina Lacorte, especialista em Agricultura e Alimentação, fala sobre o relatório que aponta irregularidades e resíduos de agrotóxicos acima do limite permitido nos alimentos 

Entre os dias 11, 12 e 13 de setembro deste ano, o Greenpeace enviou alimentos das capitais Brasília e São Paulo para testes no Laboratório de Resíduos de Pesticidas (LRP) do Instituto Biológico de São Paulo. No total foram 113 quilos de alimentos avaliados e o resultado é alarmante: 60% do que foi testado apresentou algum tipo de resíduo de pesticida, incluindo o arroz com feijão. Abordamos essa questão com Marina Lacorte, engenheira agrônoma, especialista em agricultura e alimentação do Greenpeace.

Fale um pouco sobre o relatório do Greenpeace. Quais foram os principais pontos levantados e as principais conclusões?

Este novo relatório do Greenpeace traz resultados preocupantes de testes de resíduos de agrotóxicos em alimentos do a dia a dia do brasileiro. A ideia é denunciar a presença dessas substâncias, que vão parar no nosso prato. Esses testes ilustram uma situação alarmante: estamos comendo veneno diariamente.
Os resultados mostram uma série de problemas: 60% dos alimentos testados apresentaram algum tipo de resíduo de pesticida – incluindo o tradicional arroz com feijão. Existem limites estipulados por lei, mas isso não significa que existe um nível seguro pro consumo de agrotóxicos. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que reúne muitos pesquisadores e especialistas da área da saúde e toxicologia, já se posicionou diversas vezes a respeito disso. O Instituto Nacional do Câncer também publicou seu posicionamento a respeito.
Se dentro dos limites isso já é preocupante, acima deles tudo fica ainda pior. 36% das amostras tinham algum tipo de irregularidade, incluindo resíduos agrotóxicos já proibidos no Brasil, substâncias não permitidas para determinadas culturas e substâncias que estavam acima dos limites máximos estipulados por lei. Além disso, encontramos dez substâncias já banidas por outros países .

O relatório cobre qual período?
Os alimentos foram coletados e analisados em setembro de 2017, em duas capitais brasileiras, São Paulo e Brasília, em grandes centros de abastecimento.

Vocês vêm acompanhando o projeto de lei da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos  no Congresso. Como está a questão?
A Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA) é o Projeto de Lei 6670/2016 e aguarda instalação de uma Comissão Especial para analisar a matéria. Precisamos pressionar assinando a petição chegadeagrotoxicos.org.br e pedindo pela aprovação da PNARA.
O Brasil é o maior consumidor de pesticidas do mundo e um grave resultado disto é o veneno que acaba presente no prato da população diariamente. É o que o novo estudo do Greenpeace está mostrando, assim como monitoramentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e outros testes buscam ilustrar e denunciar.
Essa situação pode ficar ainda pior uma vez  que o governo vem tentando trocar a saúde da população por apoio dos parlamentares ruralistas no Congresso. Uma das ofensivas é a tentativa de aprovar o ‘pacote do veneno’ (PL 6299.2002 – conjunto de medidas que pode liberar ainda mais o uso dos agrotóxicos), que indiretamente significa colocar ainda mais veneno na mesa da população.

Quais as principais medidas que deveriam ser tomadas pelo governo para reverter a situação em que o país se encontra em termos de meio ambiente?
Há um extenso pacote de maldades negociado entre governo e ruralistas, que visa fragilizar ainda mais as leis que protegem o meio ambiente, a saúde e os direitos humanos, incluindo a redução e extinção de áreas protegidas de floresta, paralisação das demarcações de terras indígenas, quilombolas e da reforma agrária, enfraquecimento do licenciamento ambiental, venda de terras para estrangeiros, anistia a crimes ambientais e a dívidas do agronegócio, legalização da grilagem de terras e permissão de trabalho análogo ao escravo, entre outras iniciativas. Medidas como estas, que apenas incentivam ainda mais o desmatamento e os conflitos no campo, devem ser rejeitadas.
Este pacote inclui também o incentivo ao uso de ainda mais agrotóxicos na produção de alimentos, o que resulta, invariavelmente, em mais veneno no nosso prato e também na comida das nossas crianças. Nesse sentido, o governo deve rejeitar o Projeto de Lei (PL) 6299/2002 ou qualquer medida similar (como a Medida Provisória dos Agrotóxicos já anunciada pelo Governo) cujo objetivo seja flexibilizar a atual Lei de Agrotóxicos (7802/1989). Este projeto permitiria que um número ainda maior de substancias perigosas pudessem ser registradas e utilizadas. Para começar a reverter essa situação, o governo deve também aprovar a Politica Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA), uma iniciativa da sociedade civil acolhida em outubro de 2016 pela Câmara dos Deputados e transformada no Projeto de Lei 6670/2016.

Como você vê o papel da sociedade civil no enfrentamento dessas questões?
Como consumidores, temos um enorme poder para cobrar e pressionar o setor privado e os governos para que apostem em escolhas mais sustentáveis para o planeta e para a sociedade. E tudo começa na promoção de mudanças em nossos próprios hábitos de consumo, dando preferência, sempre que tivermos oportunidade, a produtos que respeitem critérios socioambientais de produção, checando sua origem e sua cadeia produtiva. Queremos incentivar as pessoas a optarem por cadeias mais curtas de comercialização, valorizando assim a relação com o produtor, a origem dos alimentos e formas mais sustentáveis de produção.
A urgência de transição para um novo modelo de produção agrícola nos oferece a oportunidade de agir. Nesse sentido, o Greenpeace convida todos a fazer parte de um movimento de construção a favor de um futuro alimentar saudável e justo para todas e todos. Por isso, pedimos que as pessoas pressionem o governo pela aprovação da Politica Nacional de Redução de Agrotóxicos, assinando a petição chegadeagrotoxicos.org.br .

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