08/07/2019 - Notícias
Leia aqui o artigo escrito por Bruna Kulik Hassan, membro da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável e consultora da ACT Promoção da Saúde:
Imagine uma festa. Casa linda, gramado verde, piscina com luzes coloridas. Música boa, pista de dança cheia, quem toca é o melhor DJ e bebida e comida são servidas à vontade. Bom, né? Só que você nem foi convidado. E o pior: a conta é paga por você
Por Bruna Kulik Hassan*
Rio – Imagine uma festa. Casa linda, gramado verde, piscina com luzes coloridas. Música boa, pista de dança cheia, quem toca é o melhor DJ e bebida e comida são servidas à vontade. Bom, né? Só que você nem foi convidado. E o pior: a conta é paga por você.
É isso o que acontece com as grandes empresas de refrigerantes na Zona Franca de Manaus. Elas deixam de pagar ao menos R$ 4 bilhões ao ano, em diversos tributos que seriam usados para o orçamento da União, em saúde, educação, segurança.
A brincadeira é assim: para evitar que o IPI acumule e você pague valores altíssimos na compra da bebida, são gerados créditos, que fazem com que a fábrica B compre da fábrica A e acumule o tal crédito. Só que ao se instalar em Manaus, a fábrica A não paga IPI, mas a fábrica B recebe o crédito mesmo assim.
Os incentivos fiscais foram criados nos anos 90 para estimular o crescimento da região amazônica e, com o passar dos anos, fizeram com que as empresas de xarope de refrigerante se tornassem produtoras de créditos bilionários. É o caso da Recofarma, empresa da Coca-Cola que produz xarope e vende para diversas fábricas da Coca-Cola de fora da região. O único trabalho delas é colocar água, gás e muito açúcar na garrafa e distribuir. E faturar R$ 2 bilhões de créditos anuais.
A Receita Federal tenta corrigir a distorção fiscal e suspeita de superfaturamento. Uma das manobras é incluir despesas com publicidade no preço do xarope, em vez de pagar a uma agência, e a fábrica da Zona Franca devolve parte desse valor em créditos. Aquele anúncio bacana e o nome na camisa da seleção, por exemplo, é você quem paga, em vez do imposto servir para cuidar da população.
No ano passado, tentou-se corrigir um pouco a farra, mas agora decreto presidencial jogou tudo por terra. O texto do decreto anterior passava a alíquota do IPI de 20% para 4%, reduzindo os créditos fiscais. Através da pressão da bancada do Amazonas, o novo decreto escalonou o IPI para 12% até 1º de julho, quando deveria cair para 8%, e ainda, para 4%, em 2020. E o que o governo atual fez? Subiu de 8% para 10%, sem explicação. E lembre-se: quanto maior a alíquota, mais crédito e menos imposto pago.
Além de pesar aos cofres públicos, os benefícios fiscais contribuem para o barateamento do preço dos refrigerantes e facilitam o acesso a eles. O país, que tem mais de 30 milhões de pessoas obesas e onde a diabetes cresceu 62% em dez anos, não pode se dar ao luxo de incentivar empresas que ajudam a aumentar prejuízos na área de saúde. Ainda mais em meio a uma de suas piores crises financeiras, e com cortes de financiamento.
* Bruna Kulik Hassan é nutricionista e epidemiologista, consultora em pesquisa e nutrição para a ACT Promoção da Saúde