Adolescentes de escolas privadas consomem mais produtos ultraprocessados do que estudantes de escolas públicas. E jovens com hábitos saudáveis tendem a consumir menos bebidas açucaradas. Estes são alguns dos achados do Grupo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Ambiente Alimentar e Saúde (GEPPAAS), do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que acaba de publicar dois estudos em revistas científicas  internacionais: um artigo na PLOS one, que fala sobre o consumo de refrigerantes e outras bebidas açucaradas por adolescentes, e um artigo publicado na última edição da Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, com resultados de um estudo que avaliou o consumo de ultraprocessados e a correlação com hábitos alimentares e tipo de escola – pública ou privada. O grupo de pesquisa é liderado pela professora e pesquisadora Larissa Loures, e os dois estudos foram financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ)

Em comum, as duas pesquisas foram baseadas nos resultados do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA) que avaliou as condições de saúde e o consumo alimentar de cerca de 75 mil estudantes entre 12 e 17 anos, de 1.247 escolas brasileiras, públicas e particulares, distribuídas pelas 122 cidades participantes – incluindo todas as capitais, entre os anos de 2013 e 2014. E tocam em um ponto decisivo: a falta de regulamentação das cantinas escolares de escolas privadas favorece o consumo de produtos não-saudáveis, que podem repercutir negativamente na saúde dos jovens tanto no presente quanto no futuro. 

Produtos ultraprocessados e escolas privadas como ambientes obesogênicos

A partir das informações do ERICA, a nutricionista Lúcia Helena Gratão e as demais autoras do estudo calcularam as calorias e nutrientes das refeições dos estudantes e identificaram a proporção do consumo de alimentos ultraprocessados na dieta dos jovens. E cruzaram essa informação com dados sobre o ambiente escolar – como tipo da escola dos jovens (pública ou privada), se os estudantes tinham hábito de comprar lanches nas cantinas das escolas e se comiam refeições oferecidas pelas escolas, se tomavam café da manhã com frequência, se usavam telas (computador, tablet ou televisão) por mais de 2 horas por dia, e se faziam refeições assistindo televisão. 

O resultado final mostrou que adolescentes que estudam em escolas particulares consumiram uma proporção significativamente maior de produtos ultraprocessados do que estudantes de escolas públicas. Ou seja: os ambientes escolares oferecem oportunidades para consumo de alimentos ultraprocessados, mas escolas privadas têm o potencial obesogênico maior. De acordo com a análise das pesquisadoras, as escolas públicas são mais protegidas, uma vez que contam com as diretrizes do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). “A oferta de refeições com alimentos saudáveis, frescos, nutricionalmente e culturalmente adequados nas escolas públicas pode ser um fator protetivo contra o alto consumo de ultraprocessados entre adolescentes”, afirma o artigo, em contrapartida às escolas particulares, que não regulamentam a alimentação oferecida às crianças e adolescentes. 

A pesquisa mostrou que produtos ultraprocessados foram responsáveis por 28% do total energético ingerido pelos adolescentes. “O Guia Alimentar para a População Brasileira indica que os alimentos ultraprocessados devem ser evitados ao máximo. Ou seja, é assustador pensar que aproximadamente 30% do consumo de energia desses adolescentes poderia estar vindo de alimentos in natura ou minimamente processados, preparações culinárias, mas está vindo de produtos ultraprocessados”, afirma a coordenadora do grupo de pesquisa, Larissa Loures.

Bebidas açucaradas e hábitos não-saudáveis

Já a dissertação de mestrado da nutricionista Luana Lara Rocha avaliou o consumo de bebidas açucaradas por adolescentes relacionando com padrões de comportamento. De acordo com as respostas ao ERICA, os estudantes foram categorizados em três grupos: o grupo 1, com jovens que praticavam atividade física, consumiam mais copos de água por dia e maior proporção de alimentos in natura ou minimamente processados, o grupo 2 com jovens fumantes e que consumiam bebidas alcoólicas com maior frequência, e o grupo 3, de estudantes que consumiam mais alimentos ultraprocessados e passavam mais de duas horas em frente às telas por dia.

O resultado? Observando o padrão do comportamento de saúde, adolescentes que possuíam os hábitos saudáveis do grupo 1 tiveram as chances de consumo de bebidas açucaradas reduzidas. Este é o primeiro estudo a estabelecer relação entre o consumo destas bebidas e de alimentos in natura e minimamente processados. Já os adolescentes pertencentes aos grupos 2 e 3, com hábitos não-saudáveis, apresentaram tendência oposta, de maior chance de consumo de refrigerantes e outras bebidas açucaradas. 

Medidas regulatórias e educação alimentar

O artigo afirma que para reduzir o consumo de bebidas açucaradas entre adolescentes e os seus efeitos na saúde é necessário adotar uma série de medidas regulatórias e ações educativas. “Se o refrigerante está disponível na cantina da escola, ele vai ser desejado. Já existe um projeto de lei para proibir a venda de refrigerantes e bebidas açucaradas nas cantinas das escolas, e é um absurdo que ainda não tenha sido aprovado pelo Congresso”, afirma Larissa. 

E conclui que para reduzir o consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas as mudanças nas dietas precisam estar combinadas a mudanças nos ambientes. “A coexistência de comportamentos associados ao consumo mostra a importância de adotar intervenções multicausais para reverter esse quadro, que não foquem em um só objetivo mas que sejam mais amplas, pensem no ambiente, na casa, no comportamento”, afirma a pesquisadora Luana Rocha. “Então é preciso regular a venda nas escolas, aumentar o preço dos ultraprocessados e bebidas açucaradas, e também realizar ações de educação nutricional com as famílias e jovens”, afirma. 

As ações educativas têm que ser antecedidas por medidas no âmbito macropolítico, que tem o poder de afetar a vida de milhões de pessoas. Só então é possível falar em educação alimentar e nutricional no âmbito individual, precisamos de um ambiente propício para que as pessoas sejam e educadas”, ressalta Larissa Loures.