21/06/2021 - Blog Notícias
Artigo de Teresa Liporace, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, e Paula Johns, da ACT Promoção da Saúde, publicado no jornal Folha de São Paulo do dia 19/06/2021
Não bastassem os danos causados à saúde, a indústria de alimentos ultraprocessados está entre as maiores produtoras de lixo do planeta. Ao mesmo tempo em que contribuem para doenças como diabetes e hipertensão mundo afora, Coca-Cola, Nestlé, Danone e Unilever são responsáveis, juntas, por mais de 6 milhões de toneladas por ano em resíduos de embalagens, de acordo com o último Atlas do Plástico.
No caso do Brasil, o segmento ajuda a colocar o país entre os maiores produtores de resíduos e um dos quatro maiores fabricantes de plástico do mundo. O problema torna-se ainda mais grave tendo em vista que o país completa uma década da criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) sem avanços concretos em relação ao manejo do que se descarta e de que forma isso é feito.
Por aqui, cerca de 25% dos resíduos acabam em lixões ou aterros sem impermeabilização do solo, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Regional. Mas, por vezes, esses depósitos não têm sistema de controle de gases e tratamento do chorume e são responsáveis por impactos na saúde no meio ambiente. Tudo isso a custos da ordem de R$ 24 bilhões por ano, montante que, segundo o mesmo ministério, cobre apenas 57% dos gastos do setor. Há uma década o Brasil tenta pôr em prática a PNRS, mas ainda há um longo caminho, sobretudo no que toca à responsabilidade das empresas que nos empurram goela abaixo toneladas de resíduos, como a indústria de refrigerantes e outros ultraprocessados.
Logística reversa e acordos setoriais ineficazes
Alguns setores já estruturam sistemas de logística reversa —conforme determina a PNRS, visando a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, o reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada. É o caso dos fabricantes e distribuidores de agrotóxicos, de pilhas e baterias e de embalagens, entre outros.
O problema é que esses sistemas, que se originaram em acordos setoriais, têm sido pouco efetivos. Diferentemente da Europa, que responsabiliza a indústria em geral por suas embalagens descartadas, aqui a responsabilidade compartilhada tem pesado para consumidores e prefeituras. Na prática, ninguém assume a tarefa, ou é sempre a mesma pessoa que faz o trabalho pesado: governos locais têm arcado com os custos de dispor desses resíduos —pesando no bolso dos contribuintes, e o catador de material reciclável é quem realmente garante que a coleta aconteça.
Fabricantes de alimentos e bebidas ficam, portanto, livres para escolher suas embalagens sem atentar para seus potenciais efeitos no meio ambiente. Aos municípios, que em muitos casos não têm renda para pagar folha salarial, fica a conta que deveria ser dos poluidores.
Ao consumidor, fica não só a responsabilidade de ter consciência e limitar o consumo de alimentos ultraprocessados para evitar danos à própria saúde: cabe-lhe, também, cuidar da montanha de plástico que a indústria, com a conivência da política pública, teima em jogar para embaixo do tapete.