Preparando a pupunha para festa, aldeia Demini, Terra Indígena Yanomami, Amazonas. Foto: Kristian Bengtson, 2003
Preparando a pupunha para festa, aldeia Demini, Terra Indígena Yanomami, Amazonas. Foto: Kristian Bengtson, 2003

Aliança elaborou uma nota de recomendações em defesa do direito humano à alimentação adequada e saudável e, sobretudo, à vida do Povo Yanomami.  A carta repudia a omissão do Estado, durante os últimos anos, perante a destruição do território e do modo de vida tradicional do Povo Yanomami, além de defender que ações emergenciais de combate à desnutrição e fome sejam pautadas na saúde, na segurança alimentar e nutricional, no respeito à cultura alimentar deste povo.

As informações recentes apontam que ocorreram mais de 500 mortes prematuras e evitáveis de crianças, principalmente por desnutrição grave, malária, entre outras calamidades – muito disso devido às atividades ilegais de garimpo nos territórios indígenas.

Leia nota completa abaixo:

COMIDA DE VERDADE SEM CONFLITO DE INTERESSES PARA OS YANOMAMI 

Nos últimos dias ganharam visibilidade notícias alarmantes que denunciam o genocídio do povo Yanomami. Mais de 500 mortes evitáveis de crianças Yanomamis nos últimos quatro anos. Imagens de crianças, mulheres e homens com desnutrição grave, malária e outras doenças. Contaminação das águas e dos peixes por mercúrio, destruição do território e da reprodução de seu modo de vida tradicional e, consequentemente, da obtenção de alimentos e da manutenção das atividades socioeconômicas, por conta das atividades ilegais de garimpo em terras indígenas demarcadas. Este cenário é claramente o resultado da omissão do Estado na proteção e defesa dos direitos à vida, terra e território, à saúde e à alimentação deste Povo, que tem como consequência a alta taxa de mortalidade, em especial a infantil, os altos índices de doenças relacionadas à má-nutrição, verminoses e um quadro dramático de insegurança alimentar e fome.

Assim como ocorrido ao longo da pandemia de Covid-19, indústrias de alimentos estão se apresentando para colaborar com o enfrentamento do problema, neste caso, por meio de doação de alimentos ultraprocessados que não são condizentes com a cultura alimentar deste Povo e que causam problemas de saúde e acarretam a morte de 57 mil brasileiros por ano,3. Apesar da aparente boa ação, estas iniciativas do setor privado são, na verdade, uma estratégia de publicidade e marketing (“social washing”), que vinculam a ação da empresa e os produtos doados a ideais de engajamento e responsabilidade social. Essa estratégia não colabora para a solução estrutural dos problemas, mas promove a marca e os produtos doados e estimula o seu consumo. É justamente em situações de crise sanitária e calamidade pública que grandes indústrias se beneficiam de estratégias de autopromoção disfarçadas de filantropia que podem custar muito à saúde, aos modos de vida e autonomia dos diferentes grupos da nossa sociedade, violando direitos humanos e os direitos da natureza. Acabar com a fome é urgente, assim como resgatar a dignidade de um Povo e o seu direito de retomar seus modos de vida.

Assim, a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável alerta para a necessidade de que as ações emergenciais de combate à desnutrição e fome sejam pautadas na saúde, na segurança alimentar e nutricional, no respeito à cultura alimentar, aos modos de vida e saberes do Povo Yanomami e, também, na sua proteção contra estratégias de ação política corporativa que promovam marcas e produtos não saudáveis. Acabar com a fome e a desnutrição do Povo Yanomami é uma emergência humanitária e sanitária que deve ser superada com ações coerentes com a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada.

 Portanto, defendemos as seguintes medidas:

  • Estabelecer normas para que o recebimento e a destinação de doações de alimentos sejam alinhados à Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), à Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), ao Guia Alimentar para a População Brasileira e ao Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de Dois Anos e, também, às práticas alimentares do povo Yanomami, respeitando seus valores e sua cultura alimentar, e considerando protocolos de prevenção e mitigação de conflito de interesses nos processos de doação de alimentos e de tratamento dos casos de desnutrição .
  • Privilegiar a compra de gêneros alimentícios da sociobiodiversidade e de base orgânica e agroecológica, priorizando produtores da agricultura familiar local pela sua capacidade de produzir alimentos condizentes com a vocação agrícola e a cultura alimentar local;
  • Garantir a implementação de medidas que promovam, protejam e incentivem o aleitamento materno;
  • Garantir o acesso do povo Yanomami à água própria para consumo e à segurança hídrica.

Ao envidar esforços para reverter a desassistência à saúde e à segurança alimentar e nutricional, o Governo Federal não pode permitir que os Yanomami sejam ainda mais expostos a risco nutricional e de saúde com o oferecimento de produtos nocivos à saúde.  O Direito Humano à Alimentação Adequada compreende erradicar a fome de todos e todas com acesso à alimentação saudável. Essas duas dimensões expressam um compromisso com a justiça social e cidadania. É desta forma que começaremos a pagar nossa dívida com o povo Yanomami.

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A Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável é uma coalizão criada em 2016 que reúne organizações da sociedade civil, associações, coletivos, movimentos sociais, entidades profissionais e pessoas físicas que defendem o interesse público para a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), previsto na Constituição Federal.

Para saber mais sobre a Aliança: https://alimentacaosaudavel.org.br/

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*Imagem: Kristian Bengtson, 2003