07/02/2019 - Notícias
Por Paula Johns
Tive a satisfação de estar presente na Conferência PMAC 2019 – A Economia Política das DCNTs: Uma Abordagem de Toda Sociedade na Tailândia no lançamento do relatório The Global Syndemic of Obesity, Undernutrition, and Climate Change (“A Sindemia Global de Obesidade, Desnutrição e Mudanças Climáticas”), elaborado pelo periódico The Lancet. A publicação destaca que todas as formas de má nutrição (incluindo a obesidade e a desnutrição) são um dos principais problemas de saúde pública no mundo, e que isso pode ser amplificado pelas mudanças climáticas que enfrentamos atualmente.
A conjunção dessas três verdadeiras pandemias (obesidade, desnutrição e mudanças climáticas) é o que o relatório chama de Sindemia Global, ou a sinergia dessas pandemias que acontecem de forma simultânea, causam efeitos que potencializam umas às outras, têm vários determinantes comuns e por isso devem ser combatidas de maneira abrangente, integrada e global.
É fato que os principais sistemas alimentares em voga atualmente não são favoráveis à saúde, mas sim aos lucros das grandes corporações do setor, especialmente fabricantes de produtos ultraprocessados, cujo consumo é uma das principais causas de todas as formas de má nutrição. Estima-se, também, que de 25% a 30% das emissões de gases estufa responsáveis pelo aquecimento global provenha desses mesmos sistemas alimentares que favorecem produtos não saudáveis. Entretanto, lobby pesado e outras estratégias, como a tentativa de influenciar a opinião pública com o financiamento de pesquisas cujos resultados buscam eximi-las de responsabilidade sobre danos causados à saúde da população, são usados por empresas de alimentação e bebidas para garantir que seus interesses comerciais prevaleçam, em detrimento de políticas públicas promotoras da alimentação adequada e saudável.
Um exemplo disso é a questão da tributação dos refrigerantes no Brasil. Como mostramos na campanha Tributo Saudável, grandes empresas do setor de bebidas açucaradas se aproveitam de benefícios da Zona Franca de Manaus para receber subsídios fiscais. Isso vai totalmente contra as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que destaca que produtos não saudáveis como os refrigerantes devem ter seus tributos aumentados, para desencorajar o seu consumo e preservar a saúde. Tentativas de reverter essa situação, entretanto, esbarram sempre nas estratégias corporativas que já mencionamos anteriormente: lobby, disseminação de informações enganosas e pressão comercial por parte da indústria.
Essa é, inclusive, exatamente a mesma postura que a indústria do tabaco sempre teve: a negação dos prejuízos causados por seus produtos, aliada a estratégias para melhorar sua imagem corporativa e assegurar que seus interesses sejam preservados. Agora, justamente por essa semelhança entre esses dois setores, podemos analisar medidas que deram certo para o controle do tabaco e pensar em como aplicá-las à promoção da alimentação adequada e saudável. O relatório também aborda essa questão, destacando que a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) é um excelente modelo de tratado internacional legalmente vinculante, com diretrizes e recomendações claras e eficazes, que poderia ser usado como inspiração para um tratado equivalente, dessa vez para enfrentarmos os problemas relacionados com todas as formas de má nutrição. A CQCT, inclusive, ressalta a importância de impedir que a indústria interfira na elaboração de políticas de saúde pública e é uma ferramenta para alcançarmos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), cujas metas relacionadas à saúde passam tanto pelo controle do tabaco quando pela promoção da alimentação saudável.
A adoção de um tratado como a CQCT, então, poderia impulsionar a adoção de políticas mais favoráveis à saúde e nutrição, e não há mais tempo a perder. Ações urgentes são necessárias para enfrentar essa sindemia. Já existem dezenas de recomendações e relatórios que mostram isso, e agora é hora de agir. Precisamos de fato mudar o modelo de negócios atual, que não incorpora as externalidades, como os prejuízos causados para os sistemas de saúde, no preço de produtos não saudáveis. Precisamos, urgentemente, acabar com os subsídios para coisas que fazem mal para saúde e para o meio ambiente. Os sistemas alimentares atuais foram criados por pessoas, então nós, como população, somos capazes fazer as mudanças necessárias.
O fato de que os problemas da interferência da indústria, dos conflitos de interesse na elaboração de políticas públicas e da assimetria de poder entre as corporações e as pessoas está sendo mais discutido atualmente é uma boa notícia. Esse reconhecimento é o primeiro passo para que mudanças benéficas para a sociedade ocorram, mas é preciso que isso aconteça logo.
Por fim, gostaria de fazer uma chamada para as empresas que tantas vezes dizem querer fazer parte da solução do problema, apesar de sempre se colocarem como contrárias a medidas que efetivamente poderiam diminuir o impacto negativo de seus produtos não saudáveis: se querem mesmo ajudar e contribuir para a saúde pública, parem de fazer lobby e criar obstáculos para adoção das medidas de restrição de publicidade, rotulagem nutricional frontal de advertência, medidas fiscais e outras políticas comprovadamente eficazes. Usem seu poder econômico para mudar as regras do jogo atual, onde é possível lucrar a qualquer preço.
Confira aqui o vídeo de Paula Johns, diretora geral da ACT Promoção da Saúde, contando sobre o relatório.
1 Comment
byNorma Johns
Parabéns Paula muito importante o que vc falou 👏👏👏👏