Artigo por Rúbia Lisboa, formada em Jornalismo, especialista em Intervenção Psicossocial no Contexto das Políticas Públicas, autora do blog Pois É Sou Mãe e cofundadora do grupo Conecta Mães BH. Foto: Diego Rodrigues

*Atualização: No dia 6 de outubro de 2020 foi encaminhada uma Carta Aberta em Defesa da Lei da Cantina Saudável em Minas Gerais com a assinatura de 80 organizações e coletivos nacionais e locais ao governador Romeu Zema. No dia 8 de outubro, o Decreto 47.557 foi revogado pelo Governo de Minas, impactando o processo de regulamentação da Lei 15.072 (Lei da Cantina Saudável) e a promoção da alimentação escolar saudável no estado. Saiba mais aqui.

A suspensão das aulas por causa da pandemia interrompeu algumas discussões importantes relacionadas ao ambiente escolar. A mobilização pela cantina saudável é uma delas. Mesmo no cenário de incerteza sobre o retorno às aulas no contexto da Covid-19, precisamos voltar ao tema. E, sobretudo, aqui em Minas Gerais onde aguardamos há 16 anos a regulamentação da Lei da Cantina Saudável. 

Os longos meses longe da escola me fizeram pensar em todas as expectativas que criei para o ano escolar de 2020. Aqui, a “cria” completou seis aninhos e, segundo ela, foi para a escola de “criança grande”. De fato, saímos da nossa zona de conforto ao deixar uma escola que nos acolhia desde os quatro meses de vida dela e que era praticamente uma extensão da nossa casa. Enquanto uma mãe que se considera falha nos dotes culinários, a escola antiga era uma parceira e nos deixava tranquilos quanto a uma alimentação balanceada e saudável para nossa filha.

Doces e refrigerantes na lanchonete da escola

Na escola de “criança grande” nos deparamos com uma lanchonete chamativa com doces, salgados e refrigerantes. E ficamos pasmos quando a cria contou que sua coleguinha da mesma idade, todos os dias, comprava a sua merenda. Questionamos como ela tão pequena já se virava com o dinheiro e quem a orientava na hora da escolha do lanche adequado. É o simples “quero um chocolate, bala ou pirulito”, com o pagou levou! Isso nos assusta! 

Embora não seja aquela mãe que proibiu açúcar e guloseimas, tento pelo menos evitar o consumo exagerado e conscientizar sobre quais são os alimentos de fato saudáveis. Algo que ela já vê em sala de aula, mas que se torna incoerente quando a lanchonete da própria escola vende exatamente o contrário. E aí, quando a coleguinha compra, nos deparamos logo com um pedido de “mamãe, eu quero também”.

Sinceramente, me dou como vencida. Já não bastasse a publicidade que invade os nossos lares com aquelas propagandas de dar água na boca, tenho agora um rival dentro da escola. E não é só isso, preciso dar a cara à tapa: enquanto uma mãe típica às correrias da vida é obvio que me rendo à compra de industrializados mais práticos e rápidos toda vez que vou ao supermercado.

Escola como aliada da alimentação saudável

Se não encontro um equilíbrio e não tenho a escola como uma aliada a batalha está perdida. Não posso carregar mais essa culpa e ser injusta com o universo escolar. Vejo nesta situação a urgência de buscarmos alternativas eficazes, inclusive com o apoio de órgãos públicos e privados que devem ter a preocupação com a saúde das nossas crianças e, consequentemente, com o bem viver das gerações futuras.

Temos o Guia Alimentar para a População Brasileira e o Guia para Crianças menores de dois anos que podem ser ótimos pontos de partida se realmente forem colocados em prática. 

Entendo que a responsabilidade é de todos! Regular a publicidade, atentar-se à obesidade infantil (veja o relatório da Organização Mundial da Saúde – OMS), promulgar leis dentro das políticas publicas de saúde para coibir o consumo de alimentos não saudáveis, responsabilizar a indústria alimentícia, tudo isso vai muito além das regras que tentamos impor nas nossas casas e da lanchonete na escola que são apenas a ponta do iceberg.

A cria já tem coleguinhas com problemas de colesterol e aqui o monstro que nos assombra é o diabetes, devido à triste herança da família. Precisamos nos policiar, mas sozinhos jamais alcançaremos o sucesso. A coletividade neste processo precisa ser prioridade já que é algo de interesse de toda a sociedade.

Lei da Cantina Saudável em Minas Gerais

Aqui em Minas, a Lei da Cantina Saudável existe desde 2004 mas não tem regulamentação e por isso não é cumprida pelas escolas. A Lei 15.072 reúne uma série de ações para a promoção da alimentação saudável de nossas crianças e adolescentes nas escolas públicas e privadas. O Decreto 47.557, que tentou regulamentar a Lei, foi suspenso duas vezes pelo governador de Minas, Romeu Zema, em junho de 2019 e fevereiro de 2020. Em outubro de 2020, o decreto foi revogado. (Saiba mais aqui).

Quando as aulas retornarem, serão muitos os desafios, mas não podemos deixar de lado a continuidade e o fortalecimento desta pauta tão urgente. Lembrando que este período em isolamento social e a ansiedade causada por ele geram uma tendência à má alimentação.

Teremos um longo caminho pela frente para recuperarmos ou garantirmos ações em prol da saúde de nossos filhos. O momento é muito delicado, são muitas questões complexas, muitos protocolos a seguir na volta às aulas, mas não podemos nos esquecer da urgência das escolas serem, além de seguras, mais saudáveis para as crianças. Sigamos juntos nessa batalha!