Por Desirée Ruas, j
ornalista, integrante da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável – Núcleo Minas Gerais e co-idealizadora do Movimento BH pela Infância

O aniversário de três décadas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é celebrado no dia 13 de julho de 2020. A data coincide com um momento extremamente delicado para a garantia dos direitos da infância e da adolescência no Brasil e no mundo. Se já é desafiador garantir direitos sem pandemia, como agir em um momento como o atual? 

A pandemia da Covid-19 afeta as crianças no seu direito de viver de forma digna, na proteção contra todos os tipos de violência, no acesso a educação, alimentação adequada e saudável, saúde, no direito de brincar e ocupar a cidade, ter cultura, lazer, convivência familiar e comunitária, e de muitas outras maneiras.

Mais do que nunca, precisamos conhecer e garantir a Lei nº 8.069, mais conhecida como ECA, que dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. Diante da diversidade de infâncias e adolescências que encontramos, é necessário um esforço conjunto do poder público e da sociedade civil para a garantia dos direitos já conquistados, para o aprimoramento desses dispositivos legais e para o mapeamento das necessidades específicas de cada contexto. Como estão as crianças nos 853 municípios de Minas Gerais? E nos demais estados? 

Sabemos que a pandemia deixou ainda mais gritante a desigualdade social pelo Brasil. A violação de direitos na vida de crianças e adolescentes acontece a todo instante. No campo da segurança alimentar e nutricional, a fome e a desnutrição convivem com a obesidade infantojuvenil. É direito da criança e do adolescente o acesso à alimentação adequada e saudável. Além de estarem livres da fome, eles têm que ter acesso a alimentos que contribuam para o seu desenvolvimento. Não há como separar estas duas condições inerentes do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). 

O cuidado com o que está sendo oferecido durante a pandemia importa mesmo sabendo que, nos momentos emergenciais, matar a fome acaba sendo a prioridade. “Quem tem fome, tem pressa”, como dizia e ainda diz o sociólogo Betinho, da campanha Ação pela Cidadania, e referência quando falamos na garantia do direito à alimentação no Brasil. As ações de marketing da indústria de alimentos matam a fome hoje mas alimentam as doenças que vão surgir amanhã. 

Durante a pandemia e com atenção especial às famílias em situação de vulnerabilidade social, como estamos fazendo o monitoramento do acesso à alimentação adequada e saudável e aos programas de renda e distribuição de cestas básicas, garantindo comida de verdade e da agricultura familiar?

De que forma podemos acompanhar a aplicação da Lei nº 13.987, de 7 de abril de 2020, que altera a Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, marco legal do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)? Ela autoriza, em caráter excepcional, durante o período de suspensão das aulas em razão de situação de emergência ou calamidade pública, a distribuição de gêneros alimentícios adquiridos com recursos do Programa aos pais ou responsáveis dos estudantes das escolas públicas de educação básica. 

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) proíbe a inclusão de alimentos ultraprocessados nos cardápios oferecidos na rede pública de ensino como forma de garantir a saúde de crianças e adolescentes. Em maio de 2020, a nova resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) alterou a legislação do PNAE para tornar a alimentação escolar ainda mais saudável na rede pública de ensino de todo o país. As novas medidas, adotadas por meio da Resolução nº6/2020, estão alinhadas ao Guia Alimentar para a População Brasileira e ao Guia para Crianças Brasileiras menores de 2 anos, este último lançado em 2019. 

Também como uma medida para frear a obesidade infantil, é preciso mudar os ambientes escolares. É urgente a efetivação da Lei da Cantina Saudável (Lei 15.072) que aguarda desde 2004 uma regulamentação do governo de Minas Gerais para a sua efetivação nas escolas públicas e privadas. As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs), como obesidade e diabetes, são associadas ao consumo de alimentos não saudáveis, sendo uma questão que precisa ser enfrentada também no ambiente escolar, como recomenda a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana (OPAS) e o Ministério da Saúde.

Precisamos estar vigilantes para a garantia da alimentação adequada e saudável e de todos os demais direitos da infância e da adolescência, assim como para questionar os apelos para o consumo e a publicidade que insiste em falar diretamente com a criança, oferecendo alimentos não saudáveis. É nosso dever ocupar as instâncias de diálogo com um olhar atento para a invisibilidade da criança na sociedade. Devemos conhecer e defender o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA com muita firmeza e consciência. Nos espaços de debate e de decisão, normalmente, não encontramos crianças e adolescentes. Não podemos nos esquecer: nós, adultos, precisamos estar lá por eles, falando e reivindicando o que é direito. É o presente que podemos dar ao ECA hoje e sempre.