05/12/2019 - Notícias
Nutricionistas, gestores e integrantes do poder público, professores e estudantes, integrantes dos Conselhos de Alimentação Escolar (CAE), representantes de agricultores e agricultoras e ativistas pela alimentação adequada e saudável – todos reunidos para celebrar os avanços e debater os desafios do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) no Rio de Janeiro, após 10 anos da promulgação da Lei nº 11.947/2009 . Esse foi o tom do 5º encontro de Alimentação Escolar do CECANE-UNIRIO e da 21ª plenária da REANE, que reuniu mais de 160 pessoas no dia 22 de novembro de 2019, no auditório da Unirio, e contou para sua realização com apoio da Aliança para Alimentação Adequada e Saudável – Núcleo RJ .
A Lei nº 11.947/2009 é um marco para o PNAE porque universalizou o programa para toda educação básica, ou seja, da educação infantil ao ensino médio, além dos jovens e adultos; definiu a educação alimentar e nutricional como eixo prioritário para o alcance dos objetivos do programa; fortaleceu a participação da comunidade no controle social por meio dos CAE; formalizou a garantia da alimentação aos alunos mesmo quando houver suspensão do repasse dos recursos por eventuais irregularidades constatadas. Por isso, uma das convocações mais importantes no evento foi o chamado para que toda a sociedade defenda as conquistas do PNAE e esteja atenta e vigilante aos projetos de lei em tramitação no congresso que o colocam em risco, como o PL 5695/2019, retirado de pauta após mobilização de movimentos sociais, associações e sindicatos.
“O PL 5.695 foi um susto para o FNDE, apresentado na calada da noite, vimos os 65 anos de existência do Programa de Alimentação Escolar sendo ameaçados. Precisamos mostrar a força e importância do programa e mostrar o que estamos perdendo – e existem ainda outros projetos de lei no mesmo sentido, como a PEC 188/2019 (do Pacto Federativo) e a PEC 187/2019 (dos Fundos Públicos)”, afirmou Cássia Buani, representante da gestão do PNAE no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Atualmente o PNAE é responsável pela compra e fornecimento de alimentos para mais de 40 milhões de estudantes em todo o país e os repasses financeiros do FNDE para estados e municípios chega a aproximadamente 4 bilhões de reais por ano.
Balanço sobre a gestão do PNAE
A primeira mesa, moderada pela professora Maria de Lourdes Ferreirinha (Unirio), fez um balanço sobre a gestão do PNAE a partir da perspectiva das gestoras públicas, e contou com a participação de Cássia Buani, representante da gestão do PNAE no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e Lívia Ribeira, nutricionista e coordenadora do PNAE no Estado do Rio de Janeiro. Cássia Buani fez uma retrospectiva sobre o funcionamento do Programa, que foi instituído em 1955, e resgatou a memória dos problemas enfrentados no passado e as soluções encontradas, como a descentralização da compra dos alimentos possibilitada pelo sistema de convênios, a participação e monitoramento social na instituição dos Conselhos de Alimentação Escolar (CAE), e inclusão da obrigatoriedade de compra de alimentos produzidos por agricultores familiares.
“Alimentação não é favor, é direito, e o PNAE deixou de ser um programa assistencialista para ser um programa de garantia de direitos. E o controle social é o que garante que esse direito seja cumprido”, afirmou Cássia. O FNDE é o responsável por gerenciar a execução do programa, e Cássia Buani relatou o trabalho de monitoramento, que envolve a análise das prestações de conta das secretarias estaduais e municipais de educação, e citou que os maiores desafios são alcançar o mínimo de 30% nas compras dos alimentos da agricultura familiar, e aprimorar a gestão das atividades ligadas à segurança e educação alimentar e nutricional.
Lívia Ribeira Souza, nutricionista responsável pelo PNAE na Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC), falou da situação do estado, que atende 1186 escolas, mais de 650 mil alunos (majoritariamente jovens do Ensino Médio), e possui um cardápio único, com variações para alunos com necessidades especiais e cardápios específicos para escolas que atendem comunidades tradicionais indígenas. Em sua apresentação, Lívia destacou que um dos desafios é que há apenas uma nutricionista para o planejamento dos cardápios da rede estadual de ensino, e que uma grande necessidade é a contratação de nutricionistas para a supervisão e apoio às merendeiras nas escolas.
No quesito aquisição de alimentos da agricultura familiar, o estado do Rio de Janeiro vem ampliando a compra, e saiu do patamar de 1,18% de uso dos recursos destinados a esse fim, em 2012, para 18,16% em 2019, dados parciais até novembro. “O estado do RJ é muito grande e são diferentes realidades: temos escolas que compram 100% dos alimentos da agricultura familiar, e outras que não adquirem nada”, disse Lívia, que informou que 825 escolas mantém contratos com agricultores desta categoria.
Redes de apoio e monitoramento
Na segunda mesa, coordenada pela professora Alessandra Pereira (Unirio), foram apresentadas em um primeiro momento as ações realizadas pelos Centros Colaboradores em Alimentação e Nutrição do Escolar (CECANE) da Unirio e da UFF, por suas respectivas coordenadoras, Thaís Salema e Patrícia Camacho. Os CECANE são vinculados ao FNDE e apoiam a implementação do PNAE nos estados. Entre as ações realizadas pelos dois CECANE do estado do Rio de Janeiro estão a formação de atores sociais envolvidos no PNAE, o apoio técnico ao FNDE para o desenvolvimento de materiais de educação alimentar e nutricional para as escolas, e a assessoria e monitoramento aos municípios.
No segundo momento da mesa, Luciana Maldonado, da UERJ, falou da Rede Estadual de Alimentação e Nutrição Escolar (REANE), e Kelly Alves, consultora técnica da ACT Promoção da Saúde, apresentou o trabalho do Núcleo RJ da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.
A REANE foi criada em 2009 para articular ações institucionais que privilegiem processos de fortalecimento técnico junto aos nutricionistas responsáveis pelo PNAE nos municípios do estado do Rio de Janeiro. Realiza plenárias semestrais para reunir atores sociais do PNAE e articula a realização anual da Semana de Educação Alimentar (SEA), instituída pela Lei Estadual 4.856/2006, em toda a rede pública de educação básica no Estado do Rio de Janeiro, concretizada por meio da definição do tema a ser celebrado a cada ano e elaboração/sugestão de materiais de apoio sobre o tema da Semana dirigido a profissionais de saúde e de educação.
Kelly Alves chamou a atenção para as disputas relacionadas a alimentação ofertada pelo PNAE e a importância da população acompanhar o trabalho não só dos gestores do Poder Executivo, mas também as ações dos Poderes Legislativo e Judiciário que incidem sobre a alimentação escolar. “O que é servido na alimentação escolar da rede pública de ensino no Brasil é objeto de disputa e conflitos de interesses, o PNAE se configura como um grande mercado consumidor, tem alta capacidade de fomentar a produção e consumo dos alimentos que são incluídos nos cardápios das escolas. Mas, os conflitos de interesses não são apenas de ordem econômica, podem ser ideológicos, culturais, religiosos, entre outros. O que é uma alimentação adequada e saudável também está em disputa”, afirmou a pesquisadora. Kelly citou ainda os conflitos existentes nas ações de marketing realizadas por empresas de alimentos nas escolas “travestidas de ações de educação alimentar e nutricional”. Explicou que o Núcleo RJ da Aliança vem realizando monitoramento de Projetos de Lei (PL) em tramitação na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) que tratam sobre alimentação escolar e uma de suas recomendações aos parlamentares é proteger o ambiente escolar da publicidade, comercialização e distribuição de alimentos ultraprocessados.
Lícia Malavota, representante do Presidente da Comissão de Educação da ALERJ, esclareceu sobre o Papel desta comissão do Poder Legislativo no monitoramento das funções do Poder Executivo para a implementação efetiva do PNAE. Citou a realização da audiência pública sobre o PNAE em junho deste ano, que proporcionou o debate entre diferentes atores sociais que atuam para a implementação do programa no RJ. Lícia destacou os desafios para construir e aprovar medidas no âmbito da ALERJ frente a diversidade de posicionamentos e prioridades dos parlamentares, bem como os desafios para a interlocução e cooperação entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo Estadual.
Desafios para o controle social e para agricultores familiares
A terceira mesa do evento, coordenada por Camila Maranha (consultora da ACT Promoção da Saúde e docente da UFF), teve como foco o controle social do PNAE e a compra de alimentos da agricultura familiar. “A gente sempre acha que quem faz controle social é o outro, mas precisamos nos implicar”, afirmou Sandra Pedroso, do CAE do RJ, que destacou a importância da atividade dos CAE no combate à corrupção e no monitoramento das compras dos municípios. Ressaltou os desafios dos conselheiros, uma vez que os municípios não possuem previsão de recursos financeiros e de pessoas para apoiar as ações do CAE, além da falta de divulgação dos trabalhos desenvolvidos.
Vanessa Schots, do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), denunciou a redução de investimentos em políticas públicas para a agricultura familiar, e convocou os participantes para a Conferência Nacional Popular de Segurança Alimentar e Nutricional, que ocorrerá em maio de 2020. Maria Bernardete da Costa, da Rede Carioca de Agricultura Urbana (RedeCAU), relatou alguns dos desafios encontrados pelos agricultores familiares urbanos, como a dificuldade de obter a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), as questões logísticas para comercialização, o plano de vendas, e o acompanhamento das chamadas públicas de alimentos para o PNAE, que considera mal divulgadas.
Para as organizações promotoras do evento, a articulação entre Núcleo RJ da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, REANE, CECANE Unirio e UFF contribuiu para fortalecer a cooperação em prol da defesa do direito à alimentação adequada e saudável dos escolares do Rio de Janeiro. O Núcleo RJ da Aliança prepara para 2020 a incidência política para ações voltadas ao ambiente escolar também na rede privada de ensino.